domingo, abril 03, 2005

Um olhar sobre Portugal

Agora que os jovens das escolas secundárias se debruçam sobre Eça de Queirós, por imperativo dos programas, fique-se com este naco da deliciosa sátira queirosiana, que se ajusta a Portugal como se uma segunda pele se tratasse:
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«Portugal, não tenho princípios, ou não tenho fé nos seus princípios, não pode propriamente ter costumes.
Fomos outr´ora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Comprehendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sahir d´ella. Ficamos exactamente em condições identicas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outr´ora uma multidão pittoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vae buscar alegremente, ao meio dia, cantando o Bemdito; é uma classe inteira que vive d´elle, de chapéo alto e paletot.
Este caldo é o Estado. Toda a nação vive do Estado. Logo desde os primeiros exames do lyceu a mocidade vê n´elle o seu repouso e a garantia do seu futuro. A classe ecclesiastica já não é recrutada pelo impulso de uma crença; é uma multidão desoccupada que quer viver á custa do Estado. A vida militar não é carreira; é uma ociosidade organisada por conta do Estado. Os proprietarios procuram viver á custa do Estado, vindo a ser deputados a 2$500 réis por dia. A própria industria faz-se proteccionar pelo Estado e trabalha sobretudo em vista do Estado. A imprensa até certo ponto vive também do Estado. A sciencia depende do Estado. O Estado é a esperança das famílias pobres e das casas arruinadas. Ora como o Estado, pobre, paga pobremente, e ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a industria ou para o commercio, esta situação perpetua-se de paes a filhos como uma fatalidade.
Resulta uma pobreza geral. Com o seu ordenado ninguém pode accumular, poucos se podem equilibrar. D´ahi o recurso perpetuo para a agiotagem; e a divida, a lettra protestada, como elementos regulares da vida. Por outro lado o commercio soffre d´esta pobreza da burocracia, e fica elle mesmo na alternativa de recorrer tambem ao Estado ou de cahir no proletariado. A agricultura, sem recursos, sem progresso, não sabendo fazer valer a terra, arqueija á beira da pobreza e termina sempre recorrendo ao Estado.
Tudo é pobre: a preoccupação de todos é o pão de cada dia.
Esta pobreza geral produz um aviltamento na dignidade. Todos vivem na dependencia: nunca temos por isso a attitude da nossa consciencia, temos a attitude do nosso interesse.
Serve-se, não quem se respeita, mas quem se vê no poder. Um governador civil dizia: - «É boa! dizem que sou successivamente regenerador, historico, reformista!... Eu nunca quiz ser senão - governador civil!» Este homem tinha razão, porque mudar do sr. Fontes para o sr. Braamcamp não é mudar de partido; - ambos aquelles cavalheiros são monarchicos e constitucionaes e catholicos. A desgraça é que, se em Portugal existissem partidos republicanos, monarchicos, socialistas, aquelle homem, assim como fôra sucessivamente reformista, historico e regenerador, - isto é, as cousas mais eguaes, seria republicano, monarchico e socialista, - isto é, as cousas mais contradictorias.»

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in Eça de Queiroz, in As Farpas, Junho 1871

3 comentários:

Crepúsculo Maria da Graça Oliveira Gomes disse...

Com tanta gente a viver do Estado, e agora n/ como sobreviveu ele sem se individar ao Estrangeiro e sem subsidios dos paises ricos, como conseguiram eles juntar toneladas de ouro . Os de agora N7 dão essas dádivas ao povo, e o pais está super individado...o que se passará afinal?!!!

Anónimo disse...

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