segunda-feira, dezembro 17, 2012

A meu pai na eterna ausência


Hoje
vim depositar
a teus pés
este rosário
de coisas insensatas
destiladas de olhos enevoados da dor
da ausência
do nunca mais ser corpo vivo
riso abundante
energia do olhar
pulsar de vontades
fervilhar de sangue

hoje deponho
a teus pés a minha
eterna saudade
de te querer tanto
por te deixar partir
e não te resgatar a tempo
da ferocidade da treva

hoje limito-me
a sentir-te a partida
já cansado
da tua longa e tumultuosa jornada

aqui dobrado sobre o peito
com o rosto castigado da tua perda
adoço as lembranças que sempre me ficarão
da força do teu viver.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

Regresso a casa

Entrei no portão verde, a que a intempérie vai diluindo a cor. Ao lado do passeio, no tanque granítico, ainda jorra água,borbulhetando em cachos. Os limos ondulam como cabelos.
Depois desci as escadas rombas dos muitos anos e canseiras. Do meio do quintal, ermo, olho a massa cinzenta da casa, a longa varanda aberta a sul.
Vêm, a pouco e pouco, os rostos, as vozes que me acariciam a memória.
O que fica de nós após os tempos? Que marcas deixaremos grafadas na superfície das coisas?
Olho as portas, os objetos cobertos do pó e revejo os vestígios da tua presença, mãe.
Há três, três dolorosos anos que a tua ausência me deixa um vazio insanável.
Agora, a olhar para os espaços que habitaste, regressas subtilmente, como um afago terno e suave.
Por isso, mais do que o valor prático dos despojos, é inestimável a tua presença neles. Assim, sempre que posso, te revisito, aí, porque é aí que mais perto te sinto.
Até já, Mãe.