Lendo hoje Garrett, reconhecemos que poeta é ser mais alto, ver mais além, ir aonde os outros nem sonham. Por isso mesmo é que nas Viagens encontramos tiradas de uma ironia fina (isto nada tem em comum com esses cómicos de usar e deitar fora que estão na moda). Veja-se como ele aborda o problema da selecção dos ministros do Reino: «Francamente pois... eis aí o que poderão dizer: Addison foi secretário de Estado, e então... Então o quê? Não concebem um secretário de Estado filósofo, um ministro poeta, escritor elegante, cheio de graça e de talento? Não, bem vejo que não: têm a idéia fixa de que um ministro de Estado há de ser por força algum sensaborão, malcriado e petulante. Mas isto é nos países adiantados em que já é indiferente para a coisa pública, em que povo nem príncipe lhes não importa já, em que mão se entregam, a que cabeças se confiam. Em Inglaterra não é assim, nem era assim no tempo de Addison. Fossem lá à rainha Ana(8) que deixasse entrar no seu gabinete quatro calças de coiro sem criação nem instrução, e não mais senão só porque este sabia jogar nos fundos, aquele tinha boas tretas para o canvassing de umas eleições, o outro era figura importante no Freemason’s hall! Já se vê que em nada disso há a mínima alusão ao feliz sistema que nos rege: estou falando de modéstia e nós vivemos em Portugal.» Garrett, Viagens na Minha Terra, cap.IV. |
segunda-feira, abril 04, 2005
Relendo Garrett
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