terça-feira, maio 31, 2005

Labirinto




A mãe trazia os dois filhos pela mão
chegou até à borda da seara
num instante deixou-os


Partiu depois
Desaparecendo na distância
E os pequenos ficaram ali

Uma brisa fagueira batia as espigas
e ondas corriam
a vastidão da messe

Num impulso repentino
Os pequenos irromperam em correria
por entre as espigas
Que amadureciam ao sol

E esculpiram na mancha verde-cinza
Um rasto labiríntico
Com o emaranhado dos passos
Pequenos e leves.

Enquanto no ar
Dois corvos atentos volteavam
E furtivamente
Mediam a dimensão
Da façanha
Dos novos ícaros.
M.Guimarães (2005)

segunda-feira, maio 30, 2005

Que te direi

Que o descampado
Ficou mais ermo
Que as violetas e as boninas
Se crestaram ao sol

Que um rio de águas turbulentas
Lavou a tua imagem doce
E ficaram apenas os calhaus
polidos
ossos despidos e frios

Que o teu olhar partiu
que nunca mais
haverá um gesto
afectuoso
Em teus dedos macios…
M.Guimarães (2003)

E agora?

Os Franceses disseram NÃO no referendo à consituição europeia. E agora? Será que o veículo avançará com uma roda presa?
Para já estou no NIM: referendar para quê? Primeiro arranjem um texto mais consensual, depois veremos.

Este não é o Benfica

Espero para ver o que dará este Benfica. Não é com certeza aquele que esperávamos ver.
A jogar deste modo, com as garras de águia cortadas, começo a pensar seriamente se o campeonato não lhe terá saído numa lotaria.
Parabéns ao Setúbal! Pela dignidade com que os seus jogadores e equipa técnica encararam este jogo. Como souberam ver que quando o Benfica tivesse pela frente jogadores que se aplicassem, a pose de vitória cairia .

domingo, maio 29, 2005

Banco de Jardim


Foto retirada da NET (www.pbase.com/ diasdosreis/imagens)



No banco do jardim
Aqueles lamentam o tempo

Vieram vergados pela vida
fingindo participar
neste banquete dos vivos.

Agora apanham destroços
Imagens gastas de efémeras glórias
Epopeias forjadas na memória.

Carregam o sobrolho
lastimam o rumo das coisas
de uma vida que veloz
lhes foge e os estranha.
M. Guimarães (1982)

quarta-feira, maio 25, 2005

A tempestade chegou!




Fujam! Vem aí o défice.

O mendigo da esquina

Na esquina da rua, aparece agora, dia sim dia não, o mendigo que pede esmola.
- Tenho tanta peninha dele!
Usa fato e gravata, cabelo grisalho, fatos de costureiros italianos, e pede com convicção a quem passa,ou a quem se arrasta, um pouquinho mais, pois o pouco que tem é muito pouco. É que entrou-lhe em casa um monstro horrível que lhe come toda a alegria e o deixa com o credo na boca e com as promessas a engasgá-lo.
O pedinte é boa estampa, e recorda-me um ceguinho que está na rua dos capelistas em Braga. Pode ser que os transeuntes apiedados de um sujeito tão bem apessoado se deixem embalar na lengalenga e descaiam com uns trocos.
- Olhe, não posso dar muito, mas deixo-lhe um conselho: veja lá se os afilhados e os sobrinhos não lhe entram em casa e não o deixam ainda pior.

terça-feira, maio 24, 2005

A Estrela





Já deram na torre da igreja as badaladas que anunciam o recolher das gentes. Vergados sobre uma fadiga secular todos deixam os campos e apontam ao lar, cada um no seu passo. O corpo pede descanso e não há como dar-lho.
Os casebres respiram um fumo leve e frugal como a ceia pobre que entretém o ventre.
Todos se recolheram, menos eles. Os pequenitos que cirandaram toda a tarde à volta da eira, brincando com os pezinhos nus sobre os grãos duros do milho, ainda não se cansaram de todo:
- Hoje tenho de a ver! É aquela, Nele. Olha como é linda! E brilha, acolá! Repara bem, naquele canto do céu! - e apontava o dedo esticado nas alturas.
- É uma linda estrela essa! - dizia o Zé.
- Está muito longe?
- Não sei. Disse-me o pai que chega-se lá depressa. Pela estrada de Santiago...
- Mas isso é muito longe, não é?
E deram mais umas corridas em redor da eira, com os braços abertos, como se fossem pássaros.
Então, a mãe chamou-os. E eles mais uma vez perscrutaram o céu a ver se viam a estrela brilhante.
- Lá está ela! Que marota, amanhã agarro-te. Mesmo que tenha de subir até ao alto da nogueira grande.
E os pequenos entraram no casarão que com o luar projectava no chão o rendilhado das telhas.
Depois, entorpecidos do sono, acomodaram-se no leito e o mais pequenino adormeceu, sonhando na estrela que no meio do céu cintilava.
M.Guimarães (2005), Odisseia da Memória.

Poema da varanda





Porque não vens até à minha varanda
colher na brisa do fim da tarde
um doce raio
de sol

E ouvir o trinado dos pássaros
e cheirar o perfume
das odoríficas rosas
que se abraçam à singeleza fria
da pedra


Porque não vens
já noite dentro juntar
as estrelas dispersas
e colocá-las
em coroa em volta do teu rosto
iluminado de amor e encanto

Por baixo da varanda lá estarei
aguardando a tua presença
então soltarei o canto
e louvarei a beleza do mundo
que se derramou
nos seres que o povoam.
M. Guimarães (2004)

Festa estragada

Eu devia estar rubro de euforia, dar pulos de satisfação. Mas para contrariar a onda de entusiasmo que onze longos anos incharam, não faltaram contributos. Ter de ganhar um título com o coração nas mãos e o travo amargo de mais uma vez as coisas se decidirem com um penálti milagroso. Ficou aquela sensação de ninguém querer o título. E, já agora, porque estão mesmo aí: - ó benfiquistas, fiquem lá com o campeonato. Que ninguém o quer.
Confesso, fiquei vermelho de vergonha.
Mas outros motivos me estragaram a festa. Não é que a retoma santanista não passou de falso alarme? E lá teremos novamente de ouvir até à exaustão aquele velho disco da tanga, da crise, do défice.
Se alguém souber de quem se lambuzou à custa da nossa contenção: aproveitem, espirrem, denunciem publicamente quem se serviu dos sacrifícios destes anos. Alguém deve ter-se aproveitado do esforço, não?
O problema lá continuará com as soluções «geniais»: aumentar impostos, cortar nos salários e no investimento público.
Questiono-me: então tanta massa cinzenta a debruçar-se sobre economia para termos as mesmas ideias que dão sempre o mesmo resultado: o fiasco da nossa economia?

sábado, maio 21, 2005

Círculo





Desenhei um círculo a giz
Na dureza do asfalto

E prendi-me nesse gesto
Girei, volteei e nunca mais
No círculo perfeito e branco
Se abriu um fissura que seja
Nem um passo único se aventurou
Para além da estreiteza do círculo

Não há chuva, nem rigor
que rasgue a dureza deste círculo
Que cerca em redor
E seca de vez
A verdura que se esgota
Na luz do olhar.
M. Guimarães (1998)

Lago






Chegaste ao lago
E foste colher nas margens uma flor
Mas não há um nome para essa flor.

Tiraste o chapéu e colocaste a flor
A flor transformou o chapéu,
O chapéu ganhou o cheiro e a cor
Ganhou a graça da flor.

Miraste o teu rosto
na face da água tranquila
acariciaste as madeixas soltas.
Depois atiraste uma pedra
no corpo do lago.

Logo ondas e ondas
concêntricas
se formaram
à volta da pedra
no meio do lago.

O rosto que bailava na água
tornou-se o rosto marcado
pelas ondas do tempo.

M. Guimarães (1982)

quinta-feira, maio 19, 2005

A campanha do NÃO

Já está em marcha a campanha pelo Não à Constituição Europeia. Por mim, ainda não formulei uma opinião. Necessito ler com atenção o documento, e só depois tomarei uma posição. Entretanto na blogosfera já está em funções um blog o Sítio do Não, mas será preferível e recomendável ler primeiro o texto <"http://www.cijdelors.pt/ ">.
Mas deixo aqui duas questões que me preocupam: será conciliável a existência da União Europeia sem uma constituição europeia? O NÃO implicará um regresso ao passado: o mosaico rígido de egoísmo nacionais?

quarta-feira, maio 18, 2005

Fumo

Há quase um ano, como a lembrar aos presumíveis ídolos que eles só o são depois da prova final, foi escrito este singelo poema. Agora julgo-o oportuno para encerrar esta caminhada do Sporting:



Douraram-te a fronte antes do combate
Teceram-te loas infindáveis
Coroaram-te de uma glória certa

Mas faltou-te o sonho mesquinho do esforço
O suor e a humildade de construíres
Aquilo que te dizes valer
no palco
Real e verde.

E ficaste do outro lado da história
agarrado a velhos mitos
Gastos como o holograma
De um sucesso que foi flor e nunca fruto.


Agora, estás aí
Voltado para a tua insignificância
Assobiando distraído e para o lado
Como se nada te fosse
Exigido

Mas não!
Essa foi a tua hora,
Esse foi o teu ensejo
De passares para além
da medíocre feira de vaidades que te enredam.

Por isso, dignamente
Sai de cena,
Poupa-nos dessas intermináveis lástimas
do destino português

Porque português é muito mais que ficar amarrado
A jactâncias e inúteis prosápias.

Até os comemos!



Hoje, visto-me de verde e vou puxar pela equipa dos largatos.
Força. Vamos a eles!!!

«Só eu sei porque fico em casa!» (comer umas francesinhas, regadas com um bom vinho, e um bolo feito pela minha filhota. Para finalizar, champanhe ( se calhar bem!!!).

A minha vida dava um livro - Parte III


St. Etienne.

(cont.)
Anos mais tarde vamos encontrar o Zé já casado, rodeado de filhos e entregue ao amanho das terras, na quinta do Redondo. No tempo, o pão era escasso e as bocas muitas e famintas.
O milho escondido e negociado às escuras, para que os homens do regedor não o pegassem para o Grémio.
E a epopeia do milho sai-lhe toda inteira, todos os passos e canseiras, todo o suor e tormentas. Nas lavras custosas, com vacas mansas a puxar os arados, nas regras em sobressaltos porque era preciso tratar das águas. E cada vez que o trilho junto ao ribeiro era calcado até à levada, era mais uma promessa de espigas que brotava da terra.
E os olhos brilham-lhe quando nos conta aquela noite com a eira cheia de carros de milho. As nuvens a ameaçarem o trabalho do dia. Mas logo se compôs ali mesmo um rancho do povo do lugar que, sob a batuta enérgica do Zé, depressa despiu das palhas as lautas espigas. No fim, apesar do cansaço, levados pelo entusiasmo e excitados pelo bagaço, novas e velhas gastaram até aos limites as forças no corropio do vira.
Nas tardes de domingo, de chapéu de feltro caído para a fronte, de vara na mão, lá partia o Zé na ronda habitual, porque outra paixão o cegava - o gado. Conhecia-o como o mecânico conhece os motores: as suas manhas, as suas doenças e também as curas caseiras; sabia-lhes o peso, a idade e a força. Quando fala nos touros e nas vacas os seus olhos cintilam: E gaba-se: «dei gado para as melhores quintas de Taíde, Simães, Garfe, Vilela...». Não havia gado das redondezas que ele não conhecesse. De lavrador em lavrador, de caseiro em caseiro, visitava-os a todos, na mira de um negócio, de um pequeno lucro.
Mas a estreiteza deste pequeno mundo não o satisfazia. Embora levasse já mais de um carro de anos, também ele sentiu a tentação da França. E foi dos primeiros a abalar, deixando a quinta entregue aos cuidados da Zirinha, sua mulher, e dos filhos ainda pequenos.
E conta-nos: «Quando chegámos à vila de Saint Étienne, estrangeiros éramos meia dúzia e a França ainda era dos Franceses». Depois vieram os «algerianos» e os marroquinos e acabou o sossego. O contacto com os franceses foi sempre amistoso e receptivo.
As viagens longas e cansativas trazem-lhe recordações de múltiplas peripécias. Da bagagem que se perdeu, lastimando pelas lembranças da terra que levava para amenizar a saudade, do comboio que apanhou trocado e em que perdeu mais dois dias na viagem.
E destaca especialmente aquela viagem de automóvel, interrompida por um brutal acidente, que o deixou às portas da morte. E lembra o tratamento que lhe deram no hospital em Avignon e reconhece que o povo francês era um povo humano, acolhedor e solidário.
E foi aquele episódio que quase o traíra que lhe deu a possibilidade de se estabelecer de vez em Portugal. O seguro do acidente e algumas poupanças permitiram-lhe comprar a quinta do Bombo, onde, já de depois de totalmente restabelecido, foi durante muitos anos um dos lavradores mais conceituados no amanho da terra, na criação de gado e na cultura do vinho da sua aldeia. O seu apego ao trabalho passou para além dos oitenta, numa energia que parecia não acabar.
Hoje, o cansaço e os anos quebraram o seu vigor, mas não o seu verbo fácil e a memória viva. Por isso, quando alguém o interpela, lá desfia numa toada serena a sua repleta vida. E remata, por fim, « a minha vida dava um livro!».

terça-feira, maio 17, 2005

Uma vida que dava um livro - PARTE II


AVG - www.CulturaGalega.org/

(Cont.)
Já durante a segunda guerra, a aventura do volfrâmio é um não acabar de histórias.
Zé da Lopes fala-nos das saídas de madrugada, atravessando a serra da Cabreira, ainda enfestada de lobos. Dos encontros fortuitos com a sorte, no saco de minério que se vendia na calada da noite, em compradores de Ruivães e de Salto. Das escaramuças com os guardas da mina para conseguir passar um pouco do negro minério. Dos guardas que rondavam a caserna e que nada encontravam, porque o «volfro» já estava a salvo e a caminho da guerra. Das pilhérias do encarregado que lhe exigia um saco dele, porque era preciso animar o seu S. João em Braga. Da camioneta do Marinho que os deixava para trás, porque os fiscais eram "uns gatunos". Das jornadas na serra Amarela e na serra Galega, por caminhos ínvios e cheios de sobressaltos. Das dormidas em cabanas dos pastores da vezeira, do ataque de piolhos e dos chatos. Do assalto à camioneta por uma quadrilha de má catadura: «Tudo quieto, que ninguém se aleija. Ó motorista, passa para cá essa mala». E lá ía uma pequena fotuna!
Diz-nos que pelas encostas da serra a caminho da Borralha era a romaria matinal dos pobres que rumavam à serra para encontrar uma saída para a miséria: no emprego da mina, no comércio dos poucos víveres que transportavam às costas, desde as fraldas da serra da Cabreira e até de freguesias de Fafe.
Mas também conta-nos das fanfarrodas dos que se sentiam repentinamente com os bolsos cheios, que fumavam o tabaco enrolado em notas de vinte. E das doenças provocadas pelo gás e pelo «pó» que acabaria por lhe levar um irmão, que enterrou em Salto.
Falou-nos do seu casamento e dos trabalhos por que passou para comprar o arroz - a cento e vinte mil reis o quilo! - o que seria hoje uma pequena fortuna!
Depois, fechada a mina, foi a construção do canal das Lourosas, pequena hidroeléctrica do rio Ave. E relatou-nos o episódio trágico do colega que perdeu o irmão, afogado na presa, e na sua insistência para que lha despejassem para recuperar o corpo. E da dureza do patrão que o recusou.
M. Sousa (cont.)

«Saída da mina» AVG - www.culturagallega.org/

domingo, maio 15, 2005

TChim...Tchim!



Brindemos:
à vitória do SLB e aos que me alegraram com a sua visita.
Obrigado.

O Golo


Site oficial do SLB

Ricardo ajuda e Luisão marca. Voilá.

Glorioso




Basta apenas mais um pontinho e o enguiço de onze anos fica para trás.
Agora, não há dúvidas: o pior já passou.

quinta-feira, maio 12, 2005

1000

Um número é apenas um número. Mas este tem um certo sabor. Mil vezes foram aquelas que este ainda juvenil blog foi acedido. A todos que cá vieram deixo o meu obrigado e o convite para que voltem. Pode ser que entretanto coisas novas surjam e a minha inépcia em lidar com o programa seja minorada. Vou fazer o possível para melhorar.
E, não é pedir muito, deixem as vossas críticas e sugestões.
Agradeço.

quarta-feira, maio 11, 2005

UMA VIDA QUE DAVA UM LIVRO


Porto antigo , gravura colhida no GOOGLE.


Há aqui uns anos escrevi um texto que reflecte a admiração que nutro por uma pessoa muito especial – o meu sogro.

Parte 1

«Nascido há oitenta e nove anos, Zé da Lopes é um homem vivido que carrega consigo um rosário cheio de histórias.
Cedo viu o pai regressar do Brasil e falecer vítima das febres tão comuns do princípio do século vinte. E cedo, muito cedo saiu de casa para ajudar a mãe, servindo em lavradores da terra e da freguesia vizinha de Garfe, onde se fez rapazote.
Conta-nos muitas vezes as idas à feira de Guimarães, conduzindo cabeças de gado para venda. Falou-nos da bucha rápida para enganar a fome, das trapaças para enganar os fiscais da câmara e não pagar o bilhete da feira, porque o dinheiro andava escasso…
Contou-nos a sua curta passagem pelo Porto, pelo velho burgo, do início do século. O Porto que ainda acordava ao som do chiar dos carros de bois, que faziam toda a sorte de fretes. Materiais para as obras, transporte de pipas de vinho para os tascos, porque no Porto bebia-se bem! Do despejar das imundícies em barricas para cevar as hortas. O saneamento público era excepção e um luxo.
Contou-nos dos barcos que atracavam à Ribeira, e das descargas braçais dos cargueiros, dos musculosos estivadores que ganhavam muito! – mas que carregavam sacos com mais de seis arrobas. Do patrão, amigo de seu amigo, mas que gastava até ao último tostão no antro do jogo, e que lhe pedia que o encobrisse junto da sua santa patroa. Da fome que não passou, porque o Porto era terra farta.
Da sua fugaz passagem pela tropa, servindo o seu capitão, transportando pedras num braçado para que ele as atirasse contra os soldados, quando não cumprissem as suas ordens. Das caminhadas forçadas pela encosta da Falperra e do cheiro a bacalhau nos tanques da Santa Marta, para os turistas de fatiota.» (continua)
Manuel Sousa, in Ecos de de N.ª S.ª de Porto d'Ave

terça-feira, maio 10, 2005

Apelo


Promontório de Sagres, by IPPAR




Chegados ao fim da estrada
Estávamos cobertos pela poeira e pela fadiga
Não havia nada em volta
senão o latir de um grupo de cães
Altivos e ameaçadores

Nós, de mão dada,
Cruzamos olhares e pensamos
- Não são estes os nossos medos...

Seguimos ainda um pouco mais,
adiante era a falésia que se despenhava no tempo

Temos de saltar, temos de ir mais além!.
Aaaa...lém!


Que importa que este chão sólido e perfeito se dissipe
Que importa que tudo se torne névoa
barulho de mar e força cega do abismo


Vamos.
O que depois nos aguarda é mais do que uma certeza
é a alternativa a ficar duros e inertes
como as rochas que seguram esta falésia


Vamos,
só assim poderemos
vencer a distância
que teima em dividir-nos a meio.

Vamos,
mesmo que nossos corpos
Se estranhem,
Uma força imensa nos une
E nos impele a avançar.

M. Guimarães

segunda-feira, maio 09, 2005

Há 60 anos acabava assim o horror da 2.ª Guerra na Europa




ACTO SOLENE


Foi apenas um acto breve

Mas para além do gesto burocrático
que punha um nome no fim da catrástrofe
Ecoava estridente
a voz ensanguentada
o corpo mutilado
o rosto desfigurado
da Humanidade


E foram sem número
os que ficaram para trás
imolados à fúria cega
de paixões absurdas e malditas.

-Que sentiste velho soldado,
quando diante da folha branca
de caneta em riste
tiveste de irromper
contra esse teu maior inimigo
que te espreitava como um remorso?

Nesse momento
não tiveste o toque do clarim
nem o sabre do general
nem o estandarte maldito
a empurrar-te para a frente

Nem os hinos entoados pelas ruas
empolgando o povo para
a épica horrenda.

Nesse dia estavas apenas tu,
carregando com o crime dum povo humilhado
e dum deus caído em desgraça.

M. Guimarães (2005)

sábado, maio 07, 2005

Confessa


Hoje não estás em dia de fazer nada
confessa

apenas te resta essa simples opção
de parar
ficar sonolento
e enquanto um torpor suave te toma os braços
e te faz esculpir com grafemas
coisas inócuas
ideias avulsas
de nadas que vão e vêm no teu pensamento

Sentes o arfar
de quem se prepara para um último esforço
mas logo a seguir
ao voltar da linha
a imensa treva se derrama

O que ficou deste impulso
deste acto obtuso
de busca e expressão

nada

apenas um aceno para passar
de um desejo
a uma forma pálida
de dizer
quase nada.

M. Guimarães (2005)

sexta-feira, maio 06, 2005

Solidariedade porto-galaica

Porque ainda se ouve a multissecular voz dos eidos e povos, porque um sangue comum nos corre nas veias e uma voz reconhecida nos soa familair, por tudo isso importa a solidariedade com Galiza. Nesse sentido, tornar público e denunciar qualquer tentame de repressão castelhanista além Minho é um obrigação.

«Faro de Vigo exclue a língua galega
Redacçom - 05-05-2005
O diário decano da imprensa publicada na Galiza sostém umha aposta firme polo emprego da língua
espanhola e a folclorizaçom e minimizaçom do espaço dedicado ao galego. Editado por primeira vez em
1853, Faro de Vigo exprimia os interesses dumha emergente burguesia localizada na comarca de Vigo e
afirmava-se já na altura na ideia de “coadyuvar a los interesses de Galicia”. Segundo diário mais lido na
Galiza e muito extendido nas comarcas da provincia de Ponte Vedra, onde reune o grosso dos 287.000
leitoras e leitores diários que lhe atribue a Encuesta General de Medios (EGM) em Março de 2005, Faro de
Vigo é no entanto um diário radicalmente reácio ao galego, língua de uso habitual dum grande número das
pessoas que o mercam e som leitoras habituais.Assim, a língua nacional aparece relegada a algumha
ciscada Carta al Director e às páginas de Cultura do jornal, enquanto a prática totalidade do diário é couto
exclusivo do espanhol. O jornal que em 1986 passava a fazer parte do grupo de comunicaçom Editorial
Prensa Ibérica, integrado por 14 cabeçalhos jornalísticos, teima aliás na prática de traduzir para o
castelhano qualquer entrevista realizada em galego, desrespeitando deste modo mesmo os mais
elementares e formais direitos lingüísticos das pessoas galego-falantes, apesar de declarar-se
formalmente favorável ao “máximo compromisso com o território no que se publica”.Nova ediçom digital em espanhol1999 era o ano no que o diário viguês dava o salto a Internet. Sete anos depois, Faro de Vigo anova o seu sítio web, mas as mudanças apenas afectam a aspectos técnicos de navegaçom e à possibilidade anunciada de que o diário de Prensa Ibérica ofereza informaçom actualizada no próprio dia.
A língua do País continua a ser marginada e relegada a usos litúrgicos e secundários. Assinalar como evidência do afirmado que, apesar de o diário viguês aderir à retórica lingüicida do bilingüísmo harmónico, o galego nom existe sequer como “opçom”, mas é suprimido também agora na Internet.Os interesses económicos e políticos que se movem detrás do jornal viguês definem sem dúvida algumha a sua escolha identitária. Com conhecidas prumas representativas do antinacionalismo na sua nómina jornalística, como Xavier Vence, Alberto Otero, Fernando Gallego ou Javier Sánchez de Dios, Faro de Vigo é o porta-voz oficioso do Grupo PSA Citröen ao que se vincula economicamente e dos sectores socialmente mais regressivos da cidade de Vigo e das comarcas de Ponte Vedra, O Morraço, O Deça, Taveirós, Caldas, O Condado ou A Paradanta. Aliás, o diário potencializa a sua presença e influência sociais através do Club Faro de Vigo, um foro de opiniom formalmente plural, mas vinculado a importantes grupos económicos, políticos e mediáticos, desde onde o jornal decano na Galiza promove líderes de opiniom, impulsiona umha defesa encerrada da ideologia das grandes obras públicas como prova de todo progresso, defende o actual quadro constitucional e silencia nas suas páginas quaisquer vozes dissidentes e opostas à democracia e o progresso do Pensamento Único.»

Pequena provocação


«A minha pátria é a língua portuguesa» - dizia o poeta, agora Paulo Portas tem uma versão mais brejeira desse aforismo. Adivinhem qual será?

quinta-feira, maio 05, 2005

Os nativos, o colono e o missionário


No blog «companhia de Moçambique», há fotos que são documentos extraordinários da presença dos portugueses (colonos e missionários). Talvez depois do calor da revolta se venha a fazer um balanço mais justo.

Para a Anabela a minha ex-aluna preferida

Lembrando o seu aniversário:




Aniversário





Olhas-te ao espelho
E reconheces que essas carnes
Descaem
o vigor dos anos falece


Sentes por dentro essa tensão
De vida que não espera que exige
Um lance novo
A ousadia de um imprevisto passo


Mas logo aí no farto penteado
Branqueja uma cã

Saltam ao pensamento os filhos
Os projectos as decepções
Afunda-se na tua memória
o rosto
Mimado dos filhos
dos filhos...

M. Guimarães

quarta-feira, maio 04, 2005


Rio Ave, foto de Silvino Jorge Rodrigues (Drácula)

Pequenas estórias

-Salta, morcão, salta.
E todos os garotos olhavam tímidos. Os truces colados às pernas magras, tremelicando da água fria, mas o Chico, autoritário, dava ordens ao Libírio :
- Ou saltas ou empurro-te. Lingrinhas!
E outra vez , mesmo do meio da ponte, o Chico voltou a saltar. Os olhos dos pequenos seguiram-no até à superfície da água lisa e escura.
Chap!
- Ali foi que desapareceu o Zé Custódio em dia de S. Bento. Num foi, ó Gusto?
- E nunca mais o viram, num é? - dizia outro.
E o tempo passava e a cabeça do Chico não aparecia na superfície da água.
- Caraigo! Ele num vem!
- Olha que a moira encantada levou-o cum ela!
- Que moira? O teu pai num te disse, morcão?! Aquela que levou o penedo do monte de Santa Maria até à Citânia.
-Ah, essa? ...
Entretanto algumas bolhas de ar chegaram à superfície. E o Chico apareceu. O herói estava ali outra vez e pronto a desafiar os cagarolas para o salto fatal.
- Quem é o próximo? Ou saltandes ou parto-vos todos cum porrada!
Mas quando o Chico se apressava a subir a ladeira até à estrada, na ponte, já todos, como um bando de pardelhos assustados se egueiraram por entre os milheirais.
M. Guimarães

segunda-feira, maio 02, 2005

Camões na ponta da língua

Não resisti à tentação de transcrever uma passagem da revista Magazine Domingo, do Correio da Manhã. Isto porque, sendo eu professor de Língua Potuguesa debato-me todos os dias com a resistência dos meus alunos à leitura. Por isso, aos bons exemplos devo dar-lhes a ênfase necessária.


«Lilian partiu há quatro anos da Moldávia para Portugal sem saber uma única palavra de português. Hoje, é o melhor aluno da turma.

Na sala 13 da Escola EB.2.3. Ferreira de Castro, em Mem Martins, a professora Guiomar Palmeiro prepara o exame final de Português. Na aula de hoje, a turma do 9º F revê alguns cantos d’Os Lusíadas. “Quem é que quer ler?”, pergunta a páginas tantas. Entre os braços que rapidamente rumam ao céu, e se misturam com as estrelas, planetas e cometas que decoram as paredes, avista-se o de uma figura esguia. Responde pelo nome de Lilian, tem 15 anos e é moldavo.Lilian Sandu prontifica-se a ler duas estrofes do Plano da História de Portugal. Sentado junto a uma das janelas, o aluno declama-as como um verdadeiro poeta. Parece que devora as palavras, sem nunca tropeçar nas vogais muito menos nas consoantes. A sua pronúncia é perfeita. Mas não é só a forma como recita o diálogo de Vasco da Gama com o Rei de Meireles que chama a atenção. O jovem destaca-se pela participação activa que demonstra ao longo da hora e meia de aula. Ora responde às questões colocadas pela professora, ora esclarece as dúvidas que traz de casa devidamente anotadas no caderno escolar. Não admira que esteja entre os melhores alunos da escola. Admira sim o facto de Lilian ser o melhor aluno a português quando é o único que não tem sangue lusitano. »
Sérgio Lemos, in Magazine Domingo , Correio da Manhã,2005/05/01

domingo, maio 01, 2005


mãe
Posted by Hello

Mãe

Neste dia de ternura imensa, porque não encontro as palavras certas e a emoção é muito mais forte do que as palavras, recorro ao português sem mestre, o grande Almada Negreiros:


Mãe Vem Ouvir

Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero Ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!

Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

A INVENÇÃO DO DIA CLARO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, LISBOA, P. 95

Veni, vidi, vici



«...with Jose Mourinho dancing for joy and Drogba even seizing an inflatable Premiership trophy from the crowd in expected triumph.» (http://www.dailymail.co.uk/)

Tal como César, Mourinho foi, viu e venceu, Assim,l como previa Camões, também ele faz parte daqueles que «se vão da lei da morte libertando».