sábado, dezembro 30, 2006

Vergonha

Não posso aceitar impavidamente que o mais forte imponha a sua lei, segundo sua conveniência.
Se formos coerentes, se Sadam matou inocentes ou mandou matar, então serenamente aguardaremos a execução do sr. Bush que é reponsável pela morte de dezenas de milhares de inocentes, e que mergulhou um país num abismo sem solução. Que seja feita justiça.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Poema de Caeiro

Apetece-me ler Caeiro e beber a sua escrita sóbria, desinteressada, fria. Escrita, assim, num encontro da alma com sua dimensão lhana do ser, num alheamento suave. Afastar-me do ruído do mundo, do vozear confuso e caótico dos profetas da desgraça.
Agora, assim, a olhar a nudez dos troncos das árvores, a rir-me da imensa ambição dos planejadores do nosso medíocre MUNDO, eis o prazer de reler Caeiro.


Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Um novo espaço em formação

Colocar ao serviço dos meus alunos esta ferramenta (blogs) é um dos desafios que estou a tomar em mãos.
Agora no espaço sabatina lusófona irão surgir materiais de apoio para os anos da ESPL, por lá se fará algo mais para divulgar a língua e as literaturas portuguesa e lusófona.
Claro, isto tem os seus custos, este espaço (o aparipasso) tem sido esquecido, deixado de lado. Falta de tempo...de inspiração... Pode ser que esta volte...Pode ser que regresse aqui com novas reflexões, num tempo que tem sido tão sacudido por ímpetos «reformistas»..Tem sido tal a azáfama e o frenesim que estou ainda de cabeça à roda! Por isso, esta longa pausa. Vamos deixar poisar a poeira, antes que as palavras saiam perdidas e inúteis.

segunda-feira, outubro 23, 2006

10.000 visitas

Quando iniciei este blog, pensei que isso seria uma brincadeira inconsequente. Alguns dias depois, quem sabe meses, seria o fim. No entanto tal não aconteceu.
Para trás há já um relativamente longo percurso, a que penso dar continuidade, até que este hábito de aqui deixar a quem me visitar, os meus pensamentos, a minha maneira de ver as coisas, a minha maneira de ser.
A todos quantos por cá passaram fica uma palavra amiga: voltem sempre que possam, retribuirei se possível.

E porque já há uns tempos anda afastado, o meu amigo Manuel Guimarães decidiu voltar. Ultrapassou a inércia e, soltando-se das apoquentações mesquinhas da vida, decidiu-se por nos deixar este poema:


Atrás do biombo


Esvoaça o azul-névoa
Da seda do biombo
E em suaves reflexos
Duma luz filtrada
A doçura dum corpo
De mulher ninfa
E serpente
Se insinua se desenha

Se tocasse de leve
A lisura da seda
E quisesse passar
para além do biombo
A imagem suave da ninfa
Se esvaneceria

Assim, deste lado
Continuo à espera
de lampejos mais nítidos
da sua presença.

Manuel Guimarães

Recantos da cidade de Guimarães - Candidata a capital europeia da cultura




Guimarães cresceu à sombra do seu altaneiro castelo.





Os homens fizeram as casas, as praças, organizaram a sua cidade.




A nobreza emprestou-lhe um timbre senhorial e aristocrático.








O povo encheu os seus becos e tabernas.




Hoje Guimarães é testemunha dum velho Portugal, que não morrerá nunca! Este país é filho do tempo, desta terra verde e das gentes que dela brotaram.






Ser português é também amar esta cidade.














sexta-feira, outubro 06, 2006

Num momento de abatimento, com a auto-estima em baixo, com a sensação amarga de ser tapete gasto, à espera de o atrirarem para o lixo, ocorreram-me estes versos de ALVARO DE CAMPOS:

«Abram-me todas as portas!
Por força que hei de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma...
Passo sem explicações...
Se for preciso meto dentro as portas...
Sim — eu, franzino e civilizado, meto dentro as portas,
Porque neste momento não sou franzino nem civilizado,
Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,
E que há-de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!
Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui pra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá a vida.
O espírito que dá a vida neste momento sou EU! »
(Alvaro de Campos, Saudação a Walt Whitman).

terça-feira, setembro 19, 2006

E se de repente fosses o escolhido?


Depois de te terem anulado um estatuto de carreira arduamente negociado, de te ameaçarem com deslocações pelo fim deste nosso mundo português, de te sobrecarregarem com horas de enfado nas escolas, confundidas com berçários para pré-adultos, de te atiçarem com a participação dos pais na tua avaliação, depois de te adiarem a reforma por mais uns longos anos, quando já tudo te pesar, depois de tudo isso: a recompensa: TU PODERÁS SER O PROFESSOR DO ANO.
Oh sabedoria das sabedorias! Oh benesse das benesses, oh vaidade das vaidades.
Nem mais nem menos, assim:
«E este ano o prémio, o óscar para o melhor professor vai para....».
Até as queixadas da burra do antigo testamento casquetaram com a inaudita nova. Bom, não estoirei de riso porque a vontade de rir começa a ser pouca, mas que uma valente gargalhada me mereceu esta peregrina ideia, lá isso não desminto.
Agora, mas a sério: que argumentos, que parâmetros, que fundamentos para fazer essa selecção?
Acham que isso vai trazer alguma qualidade à inqualificável situação que se vive em muitas escolas?
Bem melhor seria começarem duma vez por todas a deixar de parte medidas para enganar «parolos», porque convenhamos, temos assistido com frequência a medidas anunciadas em grande estilo para embasbacar «parolos».
Eu por mim assobio para o lado e vou fazendo figas para que comecem a arrumar a casa, sem reformas ditadas por um qualquer frenesi reformista, sem consistência nem em consonância com ideias sérias sobre educação.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Será Tarde

Um dia
Não estarei ali
Um dia o sol não transporá as montanhas
Nem a lua beijará a copa dos meus castanheiros

Um dia a trágica silhueta das
Árvores calcinadas não terá câmaras apontadas

Nem o voo insondável da ave
cortará de leveza os céus

Nem mais
O azul se dará em seus tons múltiplos
Na paleta dos pintores

Um dia não mais a raiva cruenta das armas
Sagradas aos deuses
Manchará de sangue a face da terra.

Um dia os grandes conflitos serão
Ridiculamente mesquinhos
na sua insignificância

E os poemas serão apenas ecos
Gastos que ninguém ouvirá

Porque o dia da verdade veio
Antes dos homens terminarem
o seu jogo de morte.
Manuel Guimarães (2006)

terça-feira, agosto 08, 2006

Cem anos das Marchas Gualterianas em Guimarães


Esperava-se humor, sátira, animação. Mas as Marchas Gualterianas de 2006 ficaram muito aquém das expectativas. Temas para os carros alegóricos não faltavam, mas o excessivo tabu não permitiu abordar de forma mais brejeira os acontecimentos que marcaram o ano em Guimarães. Nestas situações é preciso a terapia do riso para superar as múltiplas desgraças domésticas.
Apesar de tudo gostei do arranjo das ruas e da sua iluminação.
Para o ano há-de ser melhor.

quinta-feira, agosto 03, 2006

O que aconteceu ao Louro?


Voltei à praia, mesmo em frente daquele prédio de três andares com enfeites amarelos.
Antes de me acomodar debaixo do guarda-sol, olhei atentamente para a varanda do segundo andar do prédio amarelo. Mas não estava lá o palrador Louro.
Que aconteceu àquela ave que em ano transacto me desafiara para uma breve crónica?
Matutei no caso.
Então, na minha mente um amontoado de hipóteses foi ganhando forma.
- Será que algum gato safado lhe estrangulou o pio?
- A gripe das aves terá feito mais uma vítima?
- As gaivotas terão convencido o papagaio a partir em voo livre até às mirabolantes paisagens dos Trópicos, onde os frutos são doces e o sol constante?
Mas o mistério persistia.
Ganhei um pouco de ânimo e fui indagar.
Toco à campainha.
Quem é?
-Desculpe o incómodo. Mas aqui neste andar não vive um papagaio de penugem verde e que imita as gaivotas?
- Mas pensam que não tenho mais que fazer do que ter de dar satisfações por um velho papagaio?
- Não pretendia incomodar, desculpe lá...
- Mas não vai sem resposta. Saiba que tive de despachar o raio do papagaio. Não é que os turistas se queixaram no condomínio que o bichinho fazia muito barulho? Acabei por ter de o levar para uma aldeia na serra. E por lá deve estar ainda.
- E ninguém se queixou de que o animal fazia falta na rua?
- Pois, aí é que tem razão. Ainda me aborrecem mais com perguntas: - então o papagaio? Já não fala? O que lhe fez?...
Depois destas explicações, voltei ao meu lugar na penumbra quente do guarda-sol. Agora, apenas, longínquo o som gutural das gaivotas entristecidas, talvez com falta da companhia do velho Louro.
Dois dias depois, a senhora Amélia encontrou-me no mercado, reconheceu-me e disse:
- Sabe, o Louro lá está em Alte. O maroto agora passa a vida a tentar cantar de galo. Para o que lhe havia de dar!...
Na serra não há gaivotas, mas capoeiras! Foi então que me lembrei do velho ditado «em Roma sê romano».

sexta-feira, julho 21, 2006

O descanso do guerreiro


Ufa.
Estava a ver que não chegava lá!...
As férias merecidas, o sol a brilhar, as ondas, a maresia, o bom sabor do peixe, as lindas vistas...
Sinto que desta vez se vai fazer justiça. Eu mereço, ponto final!
Não me venham agora com o défice, com a falta de produtividade, com a responsabilidade minha no insucesso duns quantos ( que não fizeram como eu: trabalhar, trabalhar, trabalhar....). Ou com o buraco sei lá, no ozono, deixem-me rir, do ozono!!!Ah...Ah...
Por isso, de peito inchado, vou!
Para trás ficam estas semanas danadas: exames, reuniões, reuniões, relatórios, actas...resmas de papéis a correr por entre os meus dedos suados.
Por uns dias, por favor, esqueçam que eu existo. Não estou para ninguém.
Já fui!!!!!

quinta-feira, julho 06, 2006

Faltou-nos um bocadinho...


Como já repararam, há dias que este blog está inerte, sem chama, sem inspiração. Muitos afazeres: exames, reuniões de toda a espécie, preparação e apresentação de um trabalho de «Os forais de S. João de Rei», na revista «Lanyoso». Quase não houve tempo para respirar.
Nos intervalos, para distrair, diante da TV, viam-se as grandezas e vilezas do «Mundial de Futebol».
Não comentei até agora a participação da selecção portuguesa. Confesso, eu fazia parte dos cépticos... Mas antes que caia o pano sobre o último acto, deixo uma palavra de homenagem àqueles bravos que se bateram até onde podiam. E valorizo, muito em especial, a dignidade com que entraram em cena no jogo contra os franceses. Faltou-nos um bocadinho para lá chegarmos.
O que se lamenta é que nos tem faltado sempre um bocadinho.
Não será fácil arrancar este povo descrente do nacional abatimento em que se deixou mergulhar. Esperemos que as nossas vidas dependam menos de futebóis e se construam com mais empenho naquilo que cada um de nós tem de fazer: acrescentar um pouco mais ao que já foi feito. E isso será válido tanto no desporto como nas actividades económicas, nas escolas, nos hospitais, nos tribunais...

segunda-feira, junho 19, 2006

Exame de Português - B (639)

O meu palpite estava certo. Lá saiu o Memorial do Convento, de José Saramago. Pareceu-me à primeira vista uma prova acessível; no entanto, creio que os alunos das áreas com formação mais sólida em História estariam em vantagem.
Aos que realizaram a prova desejo-lhes boa sorte. E parabéns àqueles que tiveram a coragem de ler o romance até ao fim.

quarta-feira, junho 14, 2006

Foi Feitiço

O soldado número 387, impedido do senhor capitão Loureiro, prometeu a si mesmo que havia de conhecer alguém interessante naquele fim-de-semana em que ficou dispensado do serviço. Era uma agradável tarde de sábado. Aprumou-se, as botas reluziam da graxa, o boné em forma de barco voltado, e confiante nos seus vinte e dois esperançados anos saiu do quartel.
Andou um pouco, meteu-se num eléctrico e só saiu no Bairro Alto. Calcorreou as ruas em passo lento, porque a tarde ainda era jovem e era preciso saborear aquela licença com todo o prazer. Depois balanceou o olhar pelas montras e lembrou-se de que nada daquilo encontrava na sua pacata aldeia do Minho. A mercearia do Tem-tudo era o único estabelecimento de comércio e nada tinha em comum com os Armazéns do Chiado nem com as lojas do Grandela.
Quando a sede apertou, lembrou-se de que uma cerveja fresca iria mesmo a calhar. Apalpou os bolsos, a carteira ainda lá estava, e dentro dela as moedas do pré e uns trocos com que o generoso capitão o premiava pela sua solícita vassalagem.
Na cervejaria Império, o ambiente estava calmo, parecia um lugar fresco e pouco movimentado. Entrou, sentou-se numa mesa, próximo da porta. Veio uma empregada, moça ainda, com feições roliças, de rosto corado e o cabelo com algumas madeixas mais claras e preso o restante num puxo.
- Então o que vai ser?
- Uma cerveja, fresca. – E nesse preciso momento o olhar do soldado cruzou-se com o da empregada.
Sentiu Augusto uma sensação completamente diferente, dir-se-ia que ficou desligado de tudo, excepto daqueles olhos negros que pareciam trespassá-lo e denunciar-lhe toda a insegurança.
- Prá onde estás a olhar, ó magala? Nunca viste?
- Nunca vi…não nunca vi…
- É mais outro a armar-se em engraçadinho. Deixam as namoradas na terra e pensam que vêm prá aqui enganar as sopeiras.
- Num me leve a mal mas nunca vi uma moça tão bem apresentada.
Ela foi ao balcão trouxe-lhe a cerveja e um pires com tremoços e colocou-os na fria mesa de mármore:
- São dois mil reis.
Ele tirou da carteira e deixou sobre a mesa duas peças prateadas.
- Olha, agora não te engasgues! A tua mãezinha já te deixa beber cerveja? – e riu-se enquanto recolhia as moedas.
Augusto não ouvia nenhuma das provocações. Apenas olhava fascinado a moçoila iluminada pelo seu branquíssimo avental.
- Amanhã não tens folga?
- Mas a confiança já te dá p’ra isso?
- Então?
- Deixa-te de conversas, estou a trabalhar, tenho mais que fazer que aturar meninos! - e voltou costas e foi lavar uma louça atrás do balcão.
Ele ficou a mirá-la, enquanto bebia sequioso a sua cerveja.
De quando em vez, ela observava-o à socapa, para não ser apanhada em flagrante, mas não impediu que os seus olhares mais uma vez se cruzassem.
Depois ele saiu, sem antes saudar os presentes, levantando o boné respeitosamente e lançando um olhar devoto para a rapariga.
Ela apercebeu-se de que o magalinha tinha ficado impressionado.
Já na camarata, deitado sobre a cama, os olhos voltados para o tecto, os braços por baixo da cabeça, imaginava a mocinha com os reluzentes olhitos negros, o rosto muito branco e rosado, o corpo roliço…
- Tenho de lá voltar – pensou.
(Continua) Manuel Guimarães, Foi Feitiço (conto).

quarta-feira, maio 31, 2006

Febre de avaliar

Se temos de ser avaliados...
Mas porque será que a febre de avaliação recai apenas sobre os professores? Porque não rejeitamos os ministros e os secretários de estado, os deputados que de disparate em disparate, de decreto em decreto atolam as escolas de papéis e não resolvem um único problema da Escola? A razão é óbvia: a escola é apenas uma das pontas do icebergue de tudo o que a sociedade portuguesa apresenta. Se a sociedade é o que é queriam ter uma escola perfeita?Estes políticos nem a porcaria dumas contas públicas acertam!!!
( texto colocado no blog Blogotinha.)

terça-feira, maio 30, 2006

Como nos consumi(s)mos


(...)
Ó fazendas nas montras! Ó manequins!
Ó últimos figurinos! Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções! (...)
Álvaro de Campos , Ode Triunfal


Uma tarde com a loira Vanessa, num Centro Comercial:

«São cinco da tarde.
Já levo nas pernas uma boa dezena de quilómetros, percorri todas as galerias do NorteShoping e não há meio de encontrar aquele adereço!... Como me havia de ficar bem!
Aquela minha saia, com aquele tope, sem o adereço, é como andar nua! Amanhã na festa do Jó sem aquelas benditas plumas serei invisível!
Ná! Não desisto!
Bom, vou descer outra vez ao piso de baixo.
Olha a Becas e a Rute a olharem para os meus sacos!...Deixa-me fazer uma pose triunfal! Estão todas roidinhas de inveja!
Pudera! Elas nem sonham quanto é que já despachei nestas lojas!
O pior é que foi tudo com o cartão de crédito – está quase no vermelho!
Que raiva! Mas por que é que o cartão tem limite de crédito?
E não visitei a lojinha da Lu – que chatice!
Oh, aquela maldita praga outra vez – «E o fim de mês está aí outra vez!». – Já não posso ouvir aquela música marada!
E fiquei de pagar a prestação do carro!... Já sei que logo lá terei de despachar o chato do Borges que me vai avisar que tenho apenas mais oito dias para liquidar, caso contrário…
Olha! Que espectáculo! Já me viste aquele preço duma semana nas Caraíbas? E até fazem créditos!
E se entrasse? Boa, até conheço a funcionária! É a Gi, andou comigo no Garcia. Vou falar com ela. Entro e vou directa à funcionária:
- Tu não és a Gi?
- Sou, estou a reconhecer-te!... És a Váni! Há que tempos, mulher! Que fazes?
- Acabei Recursos Humanos e estou a fazer uma formação, paga, claro! Uma ninharia, mas já dá para o imediato e para arranjar as unhas…
- Olha, estive a ver a promoção de viagens na montra. Aquela das Caraíbas é interessante…
- Temos vendido bem!
- E o crédito?
- Fácil, assinas um contrato e dás dez por cento para a entrada.
- Vou pensar nisso. Talvez os meus pais me emprestem a massa para a entrada. Vou levar o folheto.
- Gi, vou andando. Depois passo por cá.
- Vai dando notícias.
Coitada, aqui nesta lojita. Eu logo vi que ela não arranjava nada de jeito!...Tenho de aproveitar esta promoção!
Onde é que a Gabi foi buscar aquele perfume? Por que é eu não posso também comprá-lo?
Vou passar pela Lâncome, pode ser que convença a gerente da loja a deixar-me levá-lo e pagar no próximo mês. Pois neste, temos falado!... Se não fossem os aniversários da Locas, do Di e da Tecas, mesmo que lhes tenha dado umas parvoíces…
- Cá está a loja! Entro e vou directa ao assunto.
Acho que me vou fazer íntima. Dou-lhe dois beijos e:
- Então, Fernanda, como vai?
- Olá Váni. Então por cá?
- Precisava duma cena... Ainda tens aquele perfume?!… o lançado na campanha do Natal?
- Vou buscá-lo. Mas depois, temos de conversar...
Entendi o que a tipa queria dizer, mas faço-me de sonsa. Ainda não lhe paguei os cremes que levei há dois meses.
- Olha, deixa lá. Estou apertadinha com o tempo. Depois passo por cá.
E saio, mas ainda ouvi a gerente a cochichar qualquer coisa. Que tenha calminha! Eu sei o que ela queria!».

E prosseguiu a nossa Vanessa a poisar de loja em loja, levada pela vertigem do comprar. É importante para a sua imagem de bonequinha oca e fútil passear-se de sacos de design arrojado pelas galerias das grandes superfícies, as novas catedrais da nova religião – o CONSUMO.
(Texto publicado no jornal Preto no Branco).

terça-feira, maio 23, 2006

Falta informação na A4

Expliquem-me: porque será que na auto-estrada (A11) Guimarães-Felgueiras, que liga à A4 há indicações correctas e esclarecedoras para os utentes que sigam para Vila Real; e por sua vez, na A4 (Amarante -Porto, da Brisa), não se faça igual referência ao percurso para Guimarães, com indicação da auto-estrada(A11)? Será guerra de concessionárias?
Entendam-se e não lesem os clientes.

Onze anos


Vão longe os meus onze anos, tão longe que os pormenores das peripécias se vão diluindo e misturando. Sei apenas que, por vezes, uma certa vontade de voltar a ser menino me domina.
E voltam na memória as caminhadas pelo mês de Maio, sob as latadas cobertas de verdejantes e promissoras videiras; as aventuras na mata, com o cão pastor alemão (boby). E persistem as horas intermináveis no salão de estudo, debaixo da vigilância atenta do prefeito, com o sono a pesar nas pálpebras. E as tardes de sábado cheias de bola. As investidas na mina abandonada, sempre na mira de descobrir o tesouro perdido. E a cabana construída de ramos, e a guerra contra os índios que se escondiam por entre os fetos.
E as rondas à volta do grande recreio, bichanando rosários e risadas. E as tramitações da malandrice, que com os mais chegados, se engenhavam.
Tudo vai voltando, enquanto tomo nas mãos esta fotografia.

quarta-feira, maio 10, 2006

TLEBS e exames do 12.º ano

Estão aí os exames do 12.º ano e quantos não são os pais, os professores, e sobretudo, os alunos que se questionam sobre a dimensão do efeito da adopção da nova terminologia linguística (TLEBS) neste nível de ensino, assim, duma forma tão taxativa e ao arrepio das aprendizagens até há bem pouco tempo realizadas.
Cconceitos que foram ao longo de nove anos interiorizados, por exemplo ao nível da morfologia e da sintaxe, já tidos como razoavelmente assimilados, são substituídos por termos que, numa lógica de substituição, pouco mais avançam verdadeiramente no estudo língua. Cada escola linguística persiste com as nomenclaturas que mais se ajustam à sua práxis, não havendo um verdadeiro consenso em torno da descrição prática e funcional da língua portuguesa. Assim, cada vez que se tomam os termos novos, por exemplo o de «quantificador» reconhecemos como é quase aleatória a classificação, tendo-se em conta a nossa tradição gramatical, que não deveria ser tão aligeiradamente abandonada.
Será mais funcional para um aluno ter de reformular toda a sua competência de análise linguística (na dimensão sintáctica) ao nível da estrutura e das funções sintácticas da frase, do que, quando se justificasse, colmatar as lacunas que a gramática tradicional apresentasse?
Afinal, não temos um documento base de trabalho que sirva de referência, com uma exposição fácil, não temos uma gramática que veicule de forma sistemática a TLEBS, não temos um corpus de exercícios suficientemente representativo para auxiliar alunos e professores. Exigir em exame que se domine um saber que não é definitivo, nem foi trabalhado a um nível satisfatório, posso dizer com conhecimento de causa, será mais um dos disparates e roçam a fronteira da asneira.
Faltou uma avaliação da implementação da TLEBS, uma fase para reformulações e esclarecimentos, e não foi universal o acesso à formação, da parte dos docentes. Por isso, qualquer resultado será sempre melhor do que a expectativa, porque acredito que vai valer de novo o espírito de sobrevivência do português. Só isso nos salva.

terça-feira, abril 18, 2006

Desperdício

Muito recentemente utilizei três pequenas auto-estradas no Entre-Douro-e-Minho (Braga- Guimarães, Braga- Esposende; Guimarães-Vila Pouca). Não há dúvida de que é muito agradável circular por vias amplas, com boas vistas, sossegadamente, sem ter de enfrentar os cruzamentos fatais, as paragens súbitas, as aborrecidas filas.
Mas depois observei que nos momentos em que circulava nessas vias, e não era fora de horas, o trânsito era mínimo. Foi então que eu pensei, quando é que serão rentabilizados estes investimentos, mesmo considerando as exorbitâncias das portagens a pagar? Para quando o retorno. Penso mesmo, será que os utentes chegarão a pagar a necessária manutenção?
Começo a considerar que estas coisas de auto-estradas a metro são como os velhos palacetes do século XVIII, com ricas cantarias por fora, mas inóspitos e pouco práticos e desconfortáveis para quem lá vivesse. A megalomania portuguesíssima não se esgota mais!
São tão triviais as nossas necessidades e temos um sentido tão pouco prático de encaramos as coisas.
Voltando às auto-estradas, deixo um alerta, antes que nos venham com mais alguma que ligue Alguidares de Baixo a Carcanhões de Cima: melhorem as estradas nacionais, tornem-nas mais eficazes, resolvam e ultrapassem os pontos negros e teremos vias necessárias e usadas!
É ridículo: duas estradas uma ao lado da outra, numa circula a vida real, na outra (auto-estrada) de quando em vez lá vem um automobilista.

quarta-feira, abril 05, 2006

RealPolitik

Não, senhor Primeiro-Ministro, não concordo!
Por um prato de lentilhas não devemos vender os nossos ideais.
Onde está a defesa dos direitos humanos, da democracia? Será que temos de fechar os olhos a tanta coisa?
A visita que sua Excelência fez a Angola, em grande Estado, não será o aceitar da situação? Não será continuar a fazer de conta que o povo angolano vive uma situação de estado de direito?
Quando foi o último acto eleitoral livre em Angola? Que legitimidade têm os seus actuais governantes? Que têm feito eles às riquezas dessa terra, quando o povo continua a morrer de doenças absurdas, por carências tão elementares?
Não estará a dar cobertura a um regime que se tornou dono dum povo, duma terra, para a espoliar egoisticamente?
E a liberdade de expressão dos jornalistas perseguidos? Não significa nada?
No passado, a desculpa foi a guerra; mas agora que os canhões já se calaram faz tempo, tudo parece permanecer.
Sabemos que o pragmatismo na política fala mais alto do que a consciência, mas importa que esta não se cale.
Por mim, dói-me ver um povo que podia ter tudo, ter de estender a mão à caridade internacional, porque os seus governantes pensam primeiro nos seus benefícios.

terça-feira, março 21, 2006

Quando Vier a Primavera



Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos

Vá lá, tente outra vez

Escute!
Não vá depressa,
Sabe?
Para além da prosaica frieza das horas
Há uma nesga de poesia.

Por detrás das palavras planas e lisas
Há a sinuosa aventura do poema

Vá, dispa-se desse rigor formal!
Não se constroem
Paraísos sem a melodia da voz
Feita palavra.
Manuel Guimarães

domingo, março 12, 2006

Encruzilhada


Estava eu na berma da estrada, junto a uma encruzilhada.
E chegou um viajante. Trazia um olhar perscutador e parecia que não acertava com o Norte. Chegou-se a mim e confessou. O rumo tinha sido traçado em tempos idos, com a ajuda de cartilhas elaboradas em laboratórios onde a história se moldava pela sopro inspirado dos Mestres. Mas, agora que os Mestres se esgotaram ou partiram para o reino imenso das brumas, o viajante paladino da vida, estava perdido.
Não havia mais paraísos resguardados por altos muros, nem deste lado dos muros viu ninguém esmagado pelos grilhões.
- Mas para além desta encruzilhada, onde posso encontrar a minha PÁTRIA? Aquela em que somos todos irmãos sob a imensa bandeira da paz e da prosperidade?
Como te compreendo, viajante faminto dos ideais que floreciam em oníricos reinos de abundância e paz.
Mas neste lugar, mesmo no meio desta encruzilhada, ninguém te dará a bússola certa. Apenas te acenam com promessas fáceis, como em campanhas de liquidação de lojas finas. Vás por aqui, ou por ali, o teu destino é sempre ajustado à imensa falibilidade dos prognósticos.
Qualquer que seja a tua escolha, o ardor do sol, a inclemência da chuva, o arrepio do vento, a dificuldade da subida, o peso do carga são um problema teu e de todos os que chegados aqui tenham de escolher um caminho.
- Mas no final, a celebração vai compensar-me de todas estas provações!?...
- É bom saber-te confiante! Mas depois desta encruzilhada, nada mais há do que a certeza de que a tua felicidade será igual à tua desilusão.
Nesse momento chegou um carro colorido, cheio de enfeites circenses, com uma música garrida e cativante. O viajante não me ouviu mais. Partiu atrás do carro que seguiu rodeado duma nuvem de pó.
E eu fiquei a pensar: qual o caminho? No acto da minha escolha serei apenas eu, ou quem escolhe ficou muito atrás, bem por detrás do meu acto quase involuntário da escolha?

M.Guimarães , Pensar o Hoje (2006).

Imagem: www.marciomelo.com/ LuneenLion/Encruzilhada.jpg

quarta-feira, março 08, 2006

Mulher

a ti que ficas em casa e guardas com tua sombra o lar e preparas o pão e passas as tuas mãos ternas sobre as coisas que nos dão conforto.

a ti mulher, que na frenética respiração das máquinas misturas o bater do peito com o ritmo dos teares.

a ti mulher carregada do negrume das repartições em resmas de ofícios, que aguardas com olhar doce, cansado, irritado, o público contribuinte.

a ti mulher, que na competição cega das empresas reclamas a promoção, a chefia que longos milénios te negaram.

a ti mulher de bata branca que em zelos vários fazes saúde, educação.

a ti mulher, na lenta conquista do poder, nos media, na organização da res publica.

a ti mulher que és mãe, avó, esposa, amante, namorada, viúva, freira, companheira, amiga, camarada, prostituta, manequim, teenager, nas tuas múltiplas metamorfoses duma vida intensa.

A todas vós obrigado.

segunda-feira, março 06, 2006

Será uma retoma?


Passou um mês, um longo e frio mês. O mundo girou, as notícias caíram em catadupa, as graças e as desgraças sucederam-se por este mundo pequeno e cada vez mais impróprio para consumo. Mas uma espécie de cansaço, uma ausência total de motivação, acrescida a muito trabalho, fizeram com que este blog adormecesse, numa hibernação total.
Mas, porque a temperatura começa a subir e porque hoje acordei para aqui voltado, decidi retomar o fio das coisas e acrescentar este breve apontamento.
Deixo-vos com este boneco de neve apanhado, lá para as alturas de Montalegre, onde o frio é como o de antigamente.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Indignação

Estou perplexo.
Aqueles que menos respeito têm pelas diferenças, que queimam e matam seguidores doutros credos, massacram inocentes, estilaçam tudo o que representa o estilo e a qualidade de vida que a civilização moderna construiu pelo Mundo, sob a orientação fanática dos seguidores do profeta, vêm agora queixar-se de falta de respeito pelas suas convicções e seus símbolos. Quem foi que associou os seus símbolos à barbárie, não foram eles mesmos?
Se querem ser vistos com outro olhar, porque não começarem a agir doutro modo, em vez de tentarem aterrorizar os povos.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Provocações

2025 (numa qualquer cidade, neste rectângulo à beira-mar plantado).

Saímos à rua e fomos de mão dada eu e a minha companheira. Depois seguimos para aquela alameda cheia de árvores de folhas dum verde baço.
Depois começámos a sentir à nossa volta aqueles olhares estranhos, como se fôssemos seres aberrantes e anacrónicos.
Ainda ouvi cochichar a alguns que nos marcavam com seu olhar reprovador. Depois viravam o rosto para o lado, disfarçando.
Mais adiante, saído dum grupo, um sujeito mais atrevido e, tomado da sua verdade, interpelou-nos, em forma de censura, porque ousávamos desafiar com o nosso comportamento as suas «normais» ligações afectivas.
Sentimo-nos acossados. Naquele espaço, onde o verde ainda resistia à pardacenta cor que revestia a cidade, para baixo e para cima, pares de homens e pares de mulheres gozavam aquele fim de tarde.
Já no topo da alameda ainda ouvi:
- Então, Ana, tens saído com a Ivete?
- Saí, mas estou convencida de que ela anda com a Joana.
Ao mesmo tempo, outro par, o Leonardo e o João combinavam onde iam passar as férias.
Pouco depois, voltámos para casa: E procurei, entre os velhos vídeos,alguma pré-histórica história de amor em que um garboso cavalheiro cortejasse uma bela e atraente dama.
Manuel Guimarães(2006)

terça-feira, janeiro 24, 2006

Day after

Sentado naquela fria sala, via-os todos de cartão em punho. Avançavam cabisbaixos, cada um na sua vez, como que empurrados por uma secreta obrigação. Não espelhavam no rosto nem uma convicção, nem tão pouco a esperança de que através do seu gesto simples e breve fariam o milagre da transmutação das crises.
Depois chegou a noite, fria, emocionalmente, ninguém aguardou à porta do edifício a concludência dos números. Ninguém manifestou a euforia cartártica após o acto eleitoral. Apenas restou assistir em silêncio ao escorrer dos números nas televisões.
Deixam-se os actos canalhas dos que disfarçaram mal o azedume e passamos à fase seguinte.
Agora é tempo de aguardar e esperar.
Assim, daqui a cinco anos estarei por aqui e virei cobrar do presidente agora eleito aquilo que durante semanas nos prometeu: mais emprego, mais progresso, melhor economia, mais solidariedade,MAIOR PORTUGAL para todos.
E para bem de todos nós, que se cumpra o prometido!

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Alegre a Presidente


Se dúvidas tinha, elas dissiparam-se bem depressa.Nada de novo é de esperar do velho animal político. Do filho de Boliqueime, também se desenganem os que esperam milagres. Eu, por mim, acredito que o país necessita é duma voz crítica, duma consciência limpa, que não deva favores a ninguém, nem que represente aqueles que querem voltar ao poder por portas travessas.
Estar com Manuel Alegre é ter a convicção de que não somos reféns da partidocracia e de que quem tem a ganhar é a cidadania.
Já estamos em tempo de aprofundar a democracia, dando mais voz àqueles que não se revêem nos múltiplos aparelhos partidários, vocacionados a satisfazerem as suas clientelas.
Libertar o Estado dessa pressão será a condição necessária para chegarmos às verdadeiras políticas que sirvam o país e não exclusivamente os grupos afectos ao poder(que se revezam alternadamente).
Por tudo isso, e porque é importante não deixar cair a esperança, faço questão de votar em Manuel Alegre.

sábado, janeiro 07, 2006

guimarães


É sempre com nostalgia que percorro a minha cidade - Guimarães .
Foi aí que os meus olhos camponeses se afeiçoaram à paisagem urbana. Foi aí que contactei com coisas tão simples como o café, a leitura de livros de BD ( sobretudo do selvagem Far West), a ida ao cinema, ao futebol.

Foi aí que comprei o primeiro fato, me submeti ao exame nacional do antigo 5.º ano - actual nono). Aí trabalhei pela primeira vez como professor (na Escola Martins Sarmento) , aí fiz o meu primeiro depósito bancário. Não foi aí que nasci, mas foi aí que me fiz homem.

Por isso, é sempre com orgulho que calcorreio as suas praças, ruas e becos, e olho extasiado as fachadas medievas das suas casas, sinto o pulsar da urbe e venero o seu passado épico.
E porque nela se mantém a autenticidade, o carácter genuíno de uma cidade com alma, para o qual contribuiu
o respeito que o passado e o património arquitectónico merecem às suas gentes, dedico-lhe toda esta admiração.
Para mim foi mesmo aí que nasceu Portugal.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

As novas terminologias linguísticas do ensino básico e secundário

Transcreve-se um excerto duma resposta interessante que um dos consultores (penso) do Ciberdúvidas deu à interpelação feita por um docente:

«Gostaria, antes de continuar, de tecer algumas considerações sobre a nova terminologia (TLEBS), ou melhor, sobre a ansiedade que a sua implementação está a causar. Sem escamotear a necessidade – que não é de hoje! – de formação específica no âmbito da língua portuguesa, ainda bem que há uma nova terminologia que nos põe, a todos, a questionar a nossa língua e o conhecimento que dela – efe(c)tivamente! – temos. Isto tudo para dizer que a grande maioria dos aspectos focados na TLEBS não é nova. Também é bom dizer que nem todos são pacíficos, ou perfeitos ou, sobretudo, inalteráveis. A problemática entre nome e substantivo, por exemplo, já era evidente quando eu me licenciei, em 1985! Muitas das gramáticas que hoje os nossos alunos (e nós!) compram já falam de nome e não de substantivo. E nós temos andado a “enfiar” na cabeça deles coisas como «sintagma nominal». Alguma vez nos terá passado pela cabeça chamar-lhe «sintagma substantival»? Sinceramente, creio que estamos no bom caminho! Estamos a pensar no assunto e a levá-lo para o grupo disciplinar! Que bom! A segunda a(c)ção de formação promovida pela Universidade de Lisboa sobre este tema, em Outubro e Novembro deste ano, passou das cerca de 20 pessoas que assistiram à primeira, em Janeiro de 2002, para próximo das duas centenas. Estamos finalmente a pensar a nossa língua! E isso só pode ser positivo! Regressando ao «adje(c)tivo substantivado», do meu ponto de vista, trata-se de uma expressão que poderá continuar a ser utilizada, pois ela serve para explicitar, de forma clara, um fenó[ô]meno de formação de palavras: a derivação por conversão (até agora conhecida por derivação imprópria). É a existência desta possibilidade, ou deste fenó[ô]meno, que convém ensinar (ou aprender). Por outro lado, em contexto, a palavra ou é adje(c)tivo ou é nome. Se estiver perante um nome que corresponde à nominalização de um adje(c)tivo, como os seus alunos – depreendo da sua mensagem – estão no final do percurso, não lhes faz mal nenhum, antes pelo contrário, atribuir aos conceitos a designação corre(c)ta e dizer que se trata de um nome, formado por derivação por conversão a partir de um adje(c)tivo. Finalmente a bibliografia. Há, neste momento, de que eu tenha conhecimento, três gramáticas de língua portuguesa que vale a pena ter e consultar: A Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, com reimpressões disponíveis no mercado; a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, cuja 37.ª edição revista e ampliada saiu no Rio de Janeiro em 2001, editora Lucerna; a Gramática da Língua Portuguesa, de Maria Helena Mira Mateus e outras, na sua 5.ª edição, revista e aumentada, publicada pela Editorial Caminho. As três refle(c)tem sobre a língua portuguesa com pormenor e rigor; as mais a(c)tualizadas face à evolução dos conhecimentos lingu[ü]ísticos são as últimas duas, porque foram sujeitas a actualizações já neste milénio. Aquela que mais se aproxima das designações utilizadas na TLEBS é a última. Bom trabalho! Edite Prada ».

Não é que concorde com a globalidade do que diz a autora do texto, devo, no entanto, referir que na minha experiência de professor de Língua Portuguesa já me deparei com um sem número de situações para as quais a gramática tradicional não dá resposta. Não haja ilusões, não é possível considerar o estudo da Língua sem ter por referência os dados que as ciências da linguagem vão acrescentando ( O que seria da Física se os docentes se quedassem por Euclides e não considerassem Newton, já para não falar em Einstein?!).
Mas sejamos realistas, a mera alteração de nomenclaturas (metalinguagens...) não resolve por si os problemas no estudo da Língua (o caso dos famosos «ses»...). Mas também não é uma terminologia que não é tão nova quanto isso que vai alterar a língua. O positivo da situação é o ter-se iniciado um processo. O mal estará em querer terminá-lo por portaria, quando realmente só agora é que começa a ser interessante a discussão.
Fica aqui e, apenas como isso, esta achega.