terça-feira, junho 28, 2005

Tempo para balanço

A inspiração anda pelas ruas da amargura. O trabalho é muito, e o corpo e a mente não aguentam tudo. Por isso, o melhor é parar e aguardar que a musa volte de férias e as energias se reforcem.

domingo, junho 26, 2005

A Roda


imagem colhida no Google


Eu tinha uma roda
Feita de pneu
Rodava e rodava
Na polida calçada

Eu tinha uma roda
Preta de breu
Girava na vida
E a vida saltava
E seguia veloz
Em correria danada

Até que um dia
A roda quebrou
Já não rodava
Ninguém a lançou

Na dureza da pedra
Fria da calçada
Ficou distante e muda
A criança que jamais sou.
M.Guimarães (2005)

quarta-feira, junho 22, 2005

A promessa verde dos frutos



Hoje importa a aprender a lição dos frutos
É preciso saber esperar
Aguardar a hora certa
O momento

Antes que a gula desfaça o gosto

Há tempo para florir
Para se fazer fruto
Ganhar sabor
para ganhar corpo
Tempo para amadurecer

E com prazer
Tempo de provar
o fruto.
M.Guimarães (2005)

domingo, junho 19, 2005

Dobadoira

Minha mãe tinha uma dobadoira
Feita de tábuas de pinho
Fê-la o meu padrinho.


Toda a noite
sob o luzir trémulo da candeia
enquanto o vento uivava sobre as telhas
a dobadoira
rodava
vezes sem conta
E o novelo do linho
E a trama da vida
se enovelavam juntos
Num rodopio sem fim.

- E meu home que não vem
que anda por esse caminho
E a noite se faz mais noite
E o pão que tarda em cozer
E os meninos que dormem.
Menos aquele anjinho
Que Deus o tenha.
-Mas rais parta ó fio!

E o peito de minha mãe
arfou mais fundo
e sua voz se embargou
E quedou-se a olhar pela janela
Na fundura da noite.

M. Guimarães (2005)

sábado, junho 18, 2005

Poema em construção

Para que se defina o poema
Três coisas são fundamentais:
Partir de ideias, sinais

misturados em cadência
Dando a impressão de sentir
na inteligência
aquilo que os demais
têm na vivência.

Por fim
Compostos em harmonia
E silêncio, sons e ritmos
Derramam no sentido
A melodia da alma.

M. Guimarães (2004)

Mais um recanto verde da colina que circunda a minha casa. Pena é que os sucessivos incêndios tenham enfraquecido os sobreiros.
manuel

quinta-feira, junho 16, 2005

A minha horta



Olho para a minha horta e recordo Cesário Verde.

«Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale:
Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos!»
(Cesário Verde, De Tarde)

quarta-feira, junho 15, 2005

Recanto Verde



Um pequeno recanto verde, com a luz a interagir com o verde e a humidade que se exala do solo. Neste recanto a Terra ainda respira. Vou fazer o impossível para manter viva e verde esta nesga do meu pequeno mundo.

Convite







Venho muito respeitosamente
Com um olhar de soslaio e cândida perversão
Convidar a gentil dama a quem desejo
Como um galgo entontecido
Para uma virtual festa


Traga a camisa de seda
com aquele longo, longo decote.
Pode pôr esse perfume de violetas
colhidas junto às veredas
que serpenteiam a serra

Então
que seu peito arfe
e peça
um imenso beijo
e que lhe acaricie a nuca e
a pele macia do seu pescoço



Já no átrio
Saboreie
Os aromas frescos
Dos pêssegos
Aveludados.


Beba um pequeno gole
Desse adocicado
vinho rosé
e experimente o sabor
de colher um raio de sol
na varanda voltada ao poente.


Sentirá então no seu corpo
Um fio de água correndo
Que tornará sua sede
Mais funda
Mais quente.
M.Guimarães (2004)

terça-feira, junho 14, 2005

Minha aldeia é todo o mundo

A Galáxia de Marconi está a consolidar-se, definitivamente. Hoje, ao abrir esta página, vejo que em todos os continentes houve alguém que passou por aqui. A todos os que por tão longe cá acederam deixo-lhes um desafio: deixem uma palavra, um fio de conversa, uma ponte para fazer deste planeta a grande aldeia de todos.

segunda-feira, junho 13, 2005

Até amanhã, camarada



Até amanhã Camarada.
Um dia
Ainda havemos de chegar
À Estrada Grande
E ao olharmos para trás
veremos que todos virão
mais irmãos e mais livres.

Adeus Eugénio, até já



Adeus Eugénio
amigo do sol
e da água
dos beijos e de flores
dos barcos que balançam
da poesia feita de coisas simples
com as quais se compõe a vida
na sua vertente original
e única.

Estaremos contigo enquanto
a melodia única
e vária dos teus poemas
iluminar
a nossa humanidade.
Manuel Sousa

Atlântida




Olho em frente
e vejo a largueza do horizonte
e apronto o barco

Depois com a firmeza
de saber que há uma distância
longa que é preciso encurtar
digo à tripulação:

- Mãos à vela,
força no leme,
sorvei o vento
e temperados pelo sal
da espuma das ondas
e batidos por um sol brilhante e vivo
alcançareis as ilhas
de praias brancas
e águas límpidas.

Lá não se crestará a pele
nem se perderá
o intenso aroma
dos frutos.

Lá as estrelas
serão mais vivas
e o azul do céu mais fundo
e os corpos renascerão
em cada gesto de amor

E os lábios rosados
serão mais doces
e entoarão a melopeia
suave do gozo e do prazer
misturado com o bater
ritmado das ondas.

Por isso
eu, marinheiro,
subi a bordo
e traçada a rota
zarpei rumo
a ti.

M.Guimarães (2005)

sábado, junho 11, 2005

Tese sobre lenços de namorados


Lenço de namorados.

No dia três de Junho defendeu tese de doutoramento sobre a linguagem dos «lenços dos namorados» Adriano Basto, em Ourense (Galiza).
Esta forma peculiar de cultura popular merece-me a maior das simpatias porque expressa como poucas o sentir ingénuo e autêntico das nossas gentes do Minho.
Uma das quadras citadas :
Aqui tens meu coração
E a chabe pró abrir
Num tenho mais que te dar
Nem tu de me pedir.

sexta-feira, junho 10, 2005

Dia de Portugal - Variações sobre o hino




Pschiu!

Silêncio. Tu aí, endireita o peito, sacode o pó das calças. levanta a fronte. Enche o peito de ar.
Aí, tu, deixa a lamúria, levanta-te e escuta.

E soam os primeiros acordes. E já todos alinhados, deixando de lado as mesquinhas cargas que o dia a dia amontoa.
E soa a voz entusiasta: «heróis do mar, nobre povo»...
E diz o miúdo:
- E foram todos aqueles: o Vasco da Gama, o Bartolomeu... o Gil Eanes.
- Sim, e também o Manuel de Sepúlveda e sua esposa que morreu na praia dos Cafres, e o Fernão Veloso que contava histórias de cavaleiros nos reinos da Bretanha.
Esses todos. E até os que empenharam as barbas e que ameaçaram fechar os mares à soberba dos bravos turcos.
- Sim todos esses. E também os que naufragaram e que maldisseram a hora em que se despediram da praia do Restelo.
«Nação valente, livre e imortal»...
- E somos todos nós? não é?
-Sim e todos os que fizeram desta terra uma nação livre. Expulsaram os ditadores, deram ao povo o direito de traçar o seu destino.
E seguia o hino: «Contra os canhões, marchar»...
-Sim, é preciso marchar contra os canhões: a inércia, a cedência ao mais fácil, a espera absurda de um salvador, o egoísmo de cada um e de cada grupo. Mais do que os de fora, os canhões que trazemos por casa: os que fogem ao fisco, os que subornam, os que usam das ajudas do Estado indevidamente...
E soará o hino, em uníssono, convocando cada um para a grande façanha de fazer deste país um país a sério, que não se adie mais. Que desate de vez as peias que o limitam.
Se todos dermos o nosso melhor, ficaremos mais confortados e poderemos descansar e usar da beleza deste espaço paradisíaco que nos foi destinado.
Portugal, sempre!

quinta-feira, junho 09, 2005

O Porto e as festas populares


Ribeira (azulejo)

«Quem vem e atravessa o rio, junto à serra do Pilar» canta Rui Veloso. E com a melodia escorre amor e saudade do velho burgo pardacento.
Recordo o Porto, ainda era eu jovem, puxado numa serpenteante e estonteante corda humana, que descia voando desde Paranhos, pela Rua de S.Catarina, até desaguar na Ribeira. Foi um S. João inesquecível.
Depois, numa orgia de sons, luzes e aromas, nos jardins do Palácio Cristal era afogar a sede de muitos passos que palmilharam as ruas da cidade; resgatar as forças perdidas em tudo que a gula pedisse e a carteira deixasse.
E o Porto ficava nesse dia pequeno como a minha aldeia. Todos os poisos nos eram familiares e as caras que víamos pareciam as dos vizinhos da porta.
Então, para fazer a festa o essencial era a alegria do povo, de alma solta, coração a vibrar, e a música a brotar em tons foliões.
E a noite corria alucinada e cintilante do brilho contagiante da euforia. Foi então que eu me senti pela primeira vez portuense. E hei-de sê-lo enquanto estas doces redordações me afagarem a memória.

terça-feira, junho 07, 2005

O senhor tem tosse?



imagem retirada de Google (autor desconhecido)


Este episódio tem uma base real, deu-se com um cidadão contribuinte - o senhor Silva - , com todas as suas obrigações fiscais em dia e que é um adepto de um estado social que, porque cobra, deve retribuir com serviços de qualidade.

«São seis da manhã. A noite foi horrível, para o senhor Silva, não pregou olho. Era aquele peso imenso no peito, quase esmagado, a respiração difícil. Parecia que os batimentos cardíacos se lhe emaranhavam em ritmos desconexos. E então era aquela dor silenciosa mas pungente que tomava conta de todos os seus músculos. Era como se mãos invisíveis lhe apertassem o peito e o pescoço. Dificilmente um sopro de ar passava sem deixar uma marca dolorosa.
Não restava mais nada. Meio zonzo de sono e cansaço, tentou refrescar o rosto e lembrou-se do SAP aberto ali perto, no hospital da vila.
Vestiu-se e dirigiu-se às Urgências.
Fez a ficha.
Passada uma hora, na sala deserta, uma funcionária com a ficha na mão pronunciava o seu nome em voz alta.
- É na sala dois. O médico está à sua espera.
Então, apesar do mal-estar do corpo, sentiu um pouco de ânimo. Isto afinal funciona! - pensou.
- Vá sente-se. Diga lá o que se passa!
Então, o senhor Silva desfiou a sua história, a sua dor de um peito apertado, dos músculos doridos e presos, da imensa aflição que tomava conta de todo o seu corpo...
- E o senhor tem tido tosse?
- Não, senhor doutor. Não tenho tido.
- Custa-lhe respirar. É?
- Sim, mas não estou constipado, não tenho tosse, nem expectoração...
O médico pegou no estetoscópio e pediu para ele levantar a camisa. Auscultou-o muito apressadamente.
Depois sentenciou:
-Ah!...bom, bom, bom...O senhor tem tido tosse!
-Não, senhor doutor, há mais de dois meses que não tenho.
- Olhe, isto não é nada. Vai ver que isso passa.
Ele bebeu aquelas palavras com o desencanto de quem vê perder-se o último comboio. Ao contrário de outros momentos, a dor não diminuiu, cresceu, agora alimentada com a desconfiança e o desalento.
- Olhe, vou-lhe receitar um xarope. Tome-o duas vezes por dia até ficar bom! - e garatujou no papel timbrado o nome do fármaco.
Enquanto isso, o nosso doente olhou por baixo da mesa e viu que o médico estava com o pijama por baixo da bata e calçava uns chinelos de quarto.
Seguidamente, depois de um indisfarçável bocejo, o médico pronunciou:
- Pode ir. Você tem tosse, não tem?
Sem um exame, sem uma análise mais atenta do que se passava consigo, vencido, o senhor Silva saiu do consultório com o papel na mão, espantado, sem acreditar que trazia na mão, afinal, a receita para um xarope da tosse.
Duas horas depois, voltou às Urgências e foi encaminhado para o hospital distrital, onde lhe diagnosticaram uma inflamção no diafragma. »

Hoje, o senhor Silva tem na sua farmácia na casa de banho, a caixa já amarelecida do xarope da tosse como troféu duma noite de aflição e de um encontro imediato com a incompetência, em que, para além dos seus males, lhe inventaram uma tosse.
Manuel Sousa (Publicado no jornal Preto no Branco, 2005)

segunda-feira, junho 06, 2005

Viagem







Não hei-de ficar sentado
vendo arder
as últimas achas na fogueira
ainda me sobra um impulso
o último


Para trás
ficará todo este mundo do tamanho
da covardia
da rotina sedimentada.


Para ser mais
para vencer
esta imensa inércia
é preciso recomeçar
ouvir o bater do coração
deixá-lo partir
levando o alforge
carregado de esperança


Ser de novo
o aprendiz das coisas
simples e vivas.
M. Guimarães (2004)

domingo, junho 05, 2005

Cansaço

Professor também trabalha.
Por isso, como no final do ano aperta, durante alguns dias: testes, avaliações, muitas reuniões...
O blog terá de moderar o passo e aguardar acalmia no canal.

sexta-feira, junho 03, 2005

A Nódoa

Este texto foi postado como comentário na «república dos pêssegos»:

«O homem elegante chegou ao espelho e disse:
- Tenho uma nódoa no fato que me custou uma fortuna na barraca do Armani.Vou levá-lo a uma lavandaria para ver se a tiro.
- Sr. S...isso não sai. - disse a rcepcionista. - É uma nódoa de mentira, essas são as piores! Primeiro cresce o nariz...e depois fica a mancha. Nunca mais sai. Fica marcado para sempre.
Agora quando falar, todos pensarão:- talvez ele queira dizer o contrário!E o fulano, apesar de chique ficou enxovalhado .»

Espelho meu

Uma nova versão do famoso conto de fadas:

Está um primeiro ministro ao espelho e diz:
- Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais mentiroso do que eu?
O espelho arrepiou-se com a verdade daquelas palavras.

quarta-feira, junho 01, 2005

A morte anunciada da Constituição Europeia


foto colhida em blog metalicworld.

«Lhe deu Saturno Quebranto» (G.V.)


Depois do NÃO em dois dos estados fundadores da União Europeia,está tudo dito sobre este projecto de Constituição Europeia. Cá por mim, o melhor será concertar esforços, partir para qualquer coisa de mais consensual, antes que tudo isto se desfaça e tenhamos uma Federação Jugoslava em grande escala. Por isso, não contem comigo se insistirem num referendo inútil.
Tenho dito.