O texto Os Sete Sapatos Sujos de Mia Couto é uma análise em parábola da stiuação humilhante de África, mas que por analogia se pode aplicar a Portugal. É de facto de uma pertinência cruel o lá se diz sobre as razões das nossas fraquezas. Agradeço ao blog Tugir o acesso a esse texto. Para o lerem na íntegra, dêem um salto à Macua de Moçambique. Entretanto, fiquem com este naco de bela prosa: «Quarto sapato: a ideia que mudar as palavras muda a realidade Uma vez em Nova Iorque um compatriota nosso fazia uma exposição sobre a situação da nossa economia e, a certo momento, falou de mercado negro. Foi o fim do mundo. Vozes indignadas de protesto se ergueram e o meu pobre amigo teve que interromper sem entender bem o que se estava a passar. No dia seguinte recebíamos uma espécie de pequeno dicionário dos termos politicamente incorrectos. Estavam banidos da língua termos como cego, surdo, gordo, magro, etc… Nós fomos a reboque destas preocupações de ordem cosmética. Estamos reproduzindo um discurso que privilegia o superficial e que sugere que, mudando a cobertura, o bolo passa a ser comestível. Hoje assistimos, por exemplo, a hesitações sobre se devemos dizer “negro” ou “preto”. Como se o problema estivesse nas palavras, em si mesmas. O curioso é que, enquanto nos entretemos com essa escolha, vamos mantendo designações que são realmente pejorativas como as de mulato e de monhé. Há toda uma geração que está aprendendo uma língua – a língua dos workshops. É uma língua simples uma espécie de crioulo a meio caminho entre o inglês e o português. Na realidade, não é uma língua mas um vocabulário de pacotilha. Basta saber agitar umas tantas palavras da moda para falarmos como os outros isto é, para não dizermos nada. Recomendo-vos fortemente uns tantos termos como, por exemplo: - desenvolvimento sustentável - awarenesses ou accountability - boa governação - parcerias sejam elas inteligentes ou não - comunidades locais Estes ingredientes devem ser usados de preferência num formato “powerpoint. Outro segredo para fazer boa figura nos workshops é fazer uso de umas tantas siglas. Porque um workshopista de categoria domina esses códigos. Cito aqui uma possível frase de um possível relatório: Os ODMS do PNUD equiparam-se ao NEPAD da UA e ao PARPA do GOM. Para bom entendedor meia sigla basta. Sou de um tempo em que o que éramos era medido pelo que fazíamos. Hoje o que somos é medido pelo espectáculo que fazemos de nós mesmos, pelo modo como nos colocamos na montra. O CV, o cartão de visitas cheio de requintes e títulos, a bibliografia de publicações que quase ninguém leu, tudo isso parece sugerir uma coisa: a aparência passou a valer mais do que a capacidade para fazermos coisas. Muitas das instituições que deviam produzir ideias estão hoje produzindo papéis, atafulhando prateleiras de relatórios condenados a serem arquivo morto. Em lugar de soluções encontram-se problemas. Em lugar de acções sugerem-se novos estudos.» (Mia Couto, in «Oração de Sapiência na abertura do ano lectivo no ISCTEM OS SETE SAPATOS SUJOS ». |
quarta-feira, abril 06, 2005
Por essa Lusofonia
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1 comentário:
Olá Manuel, já li pela manhã como me sujeriste achei fantástico...Isto de ser prof de Portugues tem destas coisas. Beijo
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