sexta-feira, abril 29, 2005

Referendo à Constituição Europeia

Em França o não no referendum ganha cada vez mais adeptos, e nós?

« On a fragilisé les droits fondamentaux » Guy Braibant.

Guy Braibant, juriste, a rédigé, en 2000, la charte des droits fondamentaux, adoptée à l’unanimité par les chefs d’Etats de l’Union Européenne. Il expose aujourd’hui ses réserves sur le texte constitutionnel soumis au référendum. Dans un entretien récent donné à la Croix, vous avez fait part de votre déception à la lecture de la version de la charte des droits fondamentaux intégrée au projet de constitution européenne. Quelles en sont les raisons ? Guy Braibant. Quand on nous dit que l’on (...)» (L'Humanité 29/04/2005).

Na planura


Fotografia: zespinho

Enquanto a locomotiva tragava milhas na planície e para trás ficava o lar recém-formado (Beja, 1981).





Desci o cerro abolado
Crescendo pela planura sossegada
Escrevi o meu rasto na seara
Que o sol inclemente castiga


Chegara arrasado da saudade
E fui-me entregar ao ventre da terra
que paria farturas de trigo.

As espigas agitavam-se num aceno,
E o teu rosto voltava
E teus cabelos desciam como trigais na planície.

Então, pousei o ouvido junto
à pele queimada da terra
E ouvi o murmurar
suave de um ventre farto
de vida

E ao olhar a seara, condoído de mim,
Uma papoila vermelha
Silenciou a raiva da partida.

M. Guimarães

quarta-feira, abril 27, 2005

E o HOMEM disse: façam-se as grandes aves do céu.

A Invasão amarela



Aí está em força a «invasão amarela».
A social simpatia europeia confronta-se agora com a crua realidade: sem proteccionismo não há economia que resista a condições de produção desiguais.
Se se boicotam produtos por razões políticas de luta contra o terrorismo e contra estados potencialmente agressores (Líbia, Iraque de Saddam, Cuba de Fidel...), porque não boicotar produtos cujo custo é inferior por escravização maciça da população, ou por sonegarem a essa população direitos conformes aos que a Europa dá aos seus trabalhadores?
Pensem nisso.

segunda-feira, abril 25, 2005

Parabéns

Há datas que para mim têm um imenso significado. Uma delas é o 25 de Abril.
Nesta data, há 31 anos, iniciou-se a alteração radical e profundíssima do país.

Há 23 anos: nasce a minha filha - Alzira. Para ela vão inteirinhos os votos de que seja muito feliz.

. São para ti estas flores.
Que a vida te traga de tudo um pouco, porque só assim a vida é plenamente vivida.
Um abraço deste pai saudoso.

domingo, abril 24, 2005

É preciso reinventar as palavras

Por vezes, a palavra-poema lança sobre a amargura dos dias o bâlsamo da brisa necessária:



Hoje lembrei-me de ti


E o poema como o germinar do trigo
Brotou do caos húmido e escuro da mente

Primeiro um impulso quase imperceptível
Depois mais forte mais convicto
Por fim já tensão de músculos e gestos
A extravasarem-se em sons

Rolaram sons na minha cabeça na busca inquieta e dorida
Da forma pura

Que ânsia de cruzar sons e versos
Com o impulso de te agarrar nos braços
E pôr nas rimas fugidias os beijos certeiros
De palavras quentes

Mas a sombra negra do vazio
Ameaça como uma mancha de tinta negra
Os versos esculpidos
A golpes de emoção contida
E tolhida de esgares
Que vêem no poema
O sopro interdito do desejo.

Manuel Guimarães

sábado, abril 23, 2005

A Madrugada de Abril

« Num certo país, o povo vivia adormecido numa paz que não era paz , e numa guerra que não era guerra. Esse povo foi educado a agir sempre em conformidade com os ditames da lei, que vinha de cima , e que não se questionava se estava bem ou mal. Tal como os pais recomendavam às crianças que fizessem isto, que não fizessem aquilo , esse povo era continuamente lembrado do que podia e não podia fazer, do respeito que devia à autoridade - que sempre tinha razão!- , mesmo que a razão não fosse mais do que a sua imensa autoridade.
Nesse país havia dois mundos, o dos que estavam com a autoridade e eram a autoridade, todos garbosos, altivos, gozando da liberdade de exercer sobre os outros a sua autoridade e até da sua benevolência, que colhiam o leite e o mel que as obedientes abelhas operárias produziam. E o mundo dos que não entravam no reino dos eleitos e apenas podiam aspirar a que o olhar benemérito do poder os elevasse da triste condição de serem apenas povo.
Nesse país, tal como em certas casas, havia um quarto escuro, onde não podiam entrar as crianças, era tabu falar no que lá se escondia, mesmo que todos soubessem o que lá estava. Era o quarto dos horrores: um chefe que ordenava que os primogénitos do povo fossem imolados no fogo da guerra pela grandeza da pátria imperial, um grupo imenso de sombras, com olhos de abutre e ouvidos caninos, que perseguiam, prendiam, torturavam os cidadãos «mal comportados», que não viam na razão da autoridade as sem-razões dos seus desmandos. Lá fechado estava também o espelho da verdade que mostrava a verdadeira cara do povo: mal nutrido, ignorante, analfabeto, espoliado, vergado pelo peso da miséria e da falta de esperança. De vez em quando, alguém espreitava à porta, e como da caixa de Pandora saltavam todos aqueles males aí fechados, e viam-se claramente em todos os seus horrores.
Até que um dia, numa radiosa primavera, festivos acordes de músicas proibidas se soltaram no ar. O povo ergueu-se do leito triste e viu que havia ainda esperança , que era possível, já sem a «velha autoridade», prosseguir o seu caminho, mais livre e mais pleno de confiança, recuperar de todas as enfermidades mentais e físicas que anos de um severo paternalismo oficial lhe provocaram.
Sem a sombra «protectora» da paternal autoridade antiga, nem todos souberam guiar-se nas encruzilhadas da sua nova condição de seres livres. Alguns perderam-se mesmo em estranhos e impróprios caminhos. No, entanto, passados anos, olhando para trás, esse povo vê que, embora errando aqui e ali, recuperou uma nova energia, um novo querer, e uma consciência de que está em si a riqueza da sua pátria, e que não há autoridade que possa impor uma razão que não seja a da verdadeira Razão. Hoje esse povo pode mandar os seus filhos à escola e movimentar-se livremente no espaço da sua pátria e fora dela, porque o estrangeiro deixou de ser o «inimigo», a verdade pode ser dita sem se temer pela vida e a dignidade das pessoas é a base fundamental da lei de todos.
Esta fábula podia aplicar-se ao nosso 25 de Abril. Quantos de nós devemos tanto daquilo que hoje somos e temos à coragem daqueles capitães que na madrugada desse dia ousaram romper todos os medos, quebrar os grilhões do marasmo e da rotina e abriram as portas do grande cárcere em que se tornara Portugal, ao longo de tantos anos de regime autoritário. Com certeza que não merece o mesmo aplauso de todos os que lêem estas linhas essa data, mas o simples facto de podermos ser diferentes e escrever o que pensamos só acrescenta mais um argumento à defesa do movimento dos capitães de Abril.
Quando os factos se deram, era eu ainda um estudante muito jovem, mas logo me apercebi do que estava em causa. Hoje recordo, ainda emocionado, a euforia e a ansiedade que então se viveram. Ouvíamos a Rádio com uma devoção quase religiosa, e bebíamos as palavras dos comunicados com a sofreguidão de querer saber mais e mais. Mas, mais do que todos os medos e desconfianças, havia em cada olhar a esperança de que o futuro estava ali pronto a ser emendado e corrigido num sentido mais aberto e feliz. »
(Excerto de artigo publicado em 1999, em Ecos da Senhora de Porto d'Ave)

sexta-feira, abril 22, 2005

Política e eucaliptos

O que há de comum entre um eucalipto e um político de carreira?
É uma questão para a qual todos têm a resposta na ponta da língua.
Mas o curioso está na maneira como algumas virgens ofendidas encaram uma eventual lei em que o mandato dos políticos possa ser limitado.
Se o Presidente é eleito apenas em dois mandatos, por que carga de água hão-de os restantes titulares ir para além desse limite? O poder não esgota, não cansa, não deram o melhor de si mesmos nesse período de tempo? Eu sei que a astúcia, a intriga, a velha técnica do polvo, a benevolência do povo são capazes de qualquer reeleição, mas eternizar-se no poder, impedindo que gente nova, com novas ideias, sem vícios e sem vínculos a clientelas, assome na ribalta da acção político-partidária por que se pauta a nossa democracia não é de forma alguma aceitável.
Por isso, porque uma operação «mãos limpas» pode ser iniciada por esse país fora, ao nível autárquico e regional, venha lá essa lei. Já é tempo dos «padrinhos» se reformarem.

quinta-feira, abril 21, 2005

O Projecto de Constituição Europeia e o défice

10. PROTOCOLO SOBRE O PROCEDIMENTO RELATIVO AOS DÉFICES EXCESSIVOS
AS ALTAS PARTES CONTRATANTES, DESEJANDO fixar as modalidades do procedimento respeitante aos défices excessivos a que se refere o artigo III–184.o da Constituição,
ACORDARAM nas disposições seguintes, que vêm anexas ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa:

Artigo 1.o
Os valores de referência a que se refere o n.o 2 do artigo III‑184.o da Constituição são:
a) 3 % para a relação entre o défice orçamental programado ou verificado e o produto interno bruto
a preços de mercado;
b) 60 % para a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto a preços de mercado.
Artigo 2.o
Para efeitos do artigo III‑184.o da Constituição e do presente Protocolo, entende‑se por:
a) «Orçamental»: o que diz respeito ao governo em geral, ou seja, as administrações centrais, as
autoridades regionais ou locais e os fundos da segurança social, com exclusão das operações
comerciais tal como definidas no Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas;
b) «Défice»: os empréstimos líquidos contraídos, tal como definidos no Sistema Europeu de Contas
Económicas Integradas;
c) «Investimento»: a formação bruta de capital fixo, tal como definida no Sistema Europeu de Contas
Económicas Integradas;
d) «Dívida»: a dívida global bruta, em valor nominal, existente no final do exercício, e consolidada
pelos diferentes sectores do governo em geral, tal como definido na alínea a).
16.12.2004 PT Jornal Oficial da União Europeia C 310/337
Artigo 3.o
A fim de garantir a eficácia do procedimento relativo aos défices excessivos, os Governos dos
Estados‑Membros são responsáveis, nos termos desse procedimento, pelos défices do governo em
geral, tal como definido na alínea a) do artigo 2.o Os Estados‑Membros certificam‑se de que os
procedimentos nacionais na área orçamental lhes permitem cumprir as suas obrigações nesse
domínio decorrentes da Constituição. Os Estados‑Membros devem, pronta e regularmente,
apresentar à Comissão informações sobre os seus défices programados e verificados e os níveis da
sua dívida.
Artigo 4.o
Os dados estatísticos a utilizar para a aplicação do presente Protocolo são fornecidos pela Comissão.
C 310/338 PT Jornal Oficial da União Europeia 16.12.2004

Se quer votar sim ou não no referendo, informe-se, leia o documento. Se não entender quase nada da lingua usada («o economês») não faz mal, outros também não entenderam.

Para consultar o documento na íntegra ver na página do Jornal Oficial da União Europeia http://europa.eu.int/eur-lex/lex/JOHtml.do?uri=OJ:C:2004:310:SOM:PT:HTML.

Os cartoonistas e o Papa Bento XVI


in http://www.guardian.co.uk/

Os cartoons não favorecem Bento XVI. Pode ser que novos ventos soprem e limpem esta imagem pouco simpática.

quarta-feira, abril 20, 2005

Mourinho nas bocas do mundo


«Chelsea-Coach Mourinho: Rückschlag für das Multitalent»... (AP)

Os alemães não gostaram nada de ver um português tirar-lhes uma hipótese de vencerem a Liga dos Campeões.



«Mourinho nimmt sich selbst vom BildschirmJosé Mourinhos TV-Karriere war bereits nach einer Folge beendet. Er habe nicht weitermachen wollen, da seine Aussagen in den Medien verfälscht wiedergegeben worden seien, begründete der Chelsea-Coach die Entscheidung.


Hamburg - Nach nur einer Sendung hat José Mourinho seine eigene Sport-Talkshow in Portugal wieder eingestellt. Der Coach des designierten englischen Meisters FC Chelsea erklärte, dass seine in der Sendung "Mourinho" gemachten Aussagen in den Medien weltweit falsch interpretiert und aus dem Zusammenhang gerissen worden seien. Deshalb habe er sich einen Tag nach der Ausstrahlung zu diesem Schritt entschlossen.Geplant war, dass Mourinho beim privaten portugiesischen TV-Sender SIC einmal monatlich in der Primetime eine Stunde lang Fragen von Zuschauern und einem Reporter beantwortet. Dafür sollte er 15.000 Euro im Monat erhalten. Der 40-Jährige, der jede Woche eine Kolumne für die portugiesische Zeitschrift "Dez" schreibt, wäre damit der bestbezahlte Sportkommentator in Portugal gewesen. »
DER SPIEGEL, 20 April 2005.

terça-feira, abril 19, 2005

O novo papa

Não era de facto a pessoa que esperava que fosse eleita. Pouco ou nada sei sobre o cardeal agora eleito papa, mas que isso me deixa uma certa angústia não posso disfarçar.
O tempo dirá se as reservas que agora sinto serão ou não fundadas.
Num tempo em que o fundamentalismo ganha força noutras religiões, insistir em posições conservadoras e rígidas não ajudará nada em aproximar os homens da Igreja Católica.
E que dizer das expectativas dos que viam na Igreja Católica um aliado para a causa dos deserdados, dos pequenos, dos famintos, dos que imploram justiça, dos que anseiam pela paz?
Faço votos para que a acção do novo papa supere para melhor a escolha que agora acaba de ser realizada e que seja essa a verdadeira surpresa.
Todos os homens de boa vontade esperam e confiam.
Que Deus o ajude.

Habemus papam - D. Bennedictus XVI
Posted by Hello

Mar

Hoje sabia-me bem ouvir o mar e esquecer os ruídos irritantes da vida. Por isso evoco este poema que há tempos ouvi:


Bate infindo o mar
A espuma lambe
as rochas pejadas de conchas
o cabelo das águas mansas
enreda-se nos charcos
labiríntico


Notas distantes de um mundo
revestido de ouro e fogo
vozes de seres
mágicos e ausentes


E sobe em espiral
roçando-me a pele
erguendo-se em mim
a sede de outras águas
bebidas por entre dentes finos e brancos


Lá longe
na curva infinita do mar
respira e arfa o peito
enquanto se solta a doce melopeia
da tua voz presente em mim.

Manuel Guimarães (2004)

sexta-feira, abril 15, 2005

A irmandade da língua portuguesa

Isaac Alonso Estraviz, professor galego de Ourense (que tive o prazer de conhecer no I Encontro Luso-Galaico de cultura, realizado na Póvoa de Lanhoso) é autor de um muito interessante dicionário on-line. Daí retirei este verbete:

Jeira s. f. (1) Trabalho de uma jornada. Jornada de trabalho. (2) Terreno que uma jugada pode lavrar num dia. Terra com dous ferrados de semeadura. (3) Salário do trabalho diário dessa jugada e seu condutor. (4) Salário diário de um jornaleiro. (5) Turno, vez. (6) Leira longa e estreita. (7) Ajuda que se prestam os vizinhos num trabalho de campo. (8) Ocupaçom. Faina. (9) Duraçom do trabalho da sementeira. (10) Malheira. Fazer ou nom fazer jeira: congeniar ou nom congeniar com alguém. Às jeiras: por vezes [lat. diaria].

Lusofonia

(colhido no tugir)
Os falantes do português enfrentam hoje uma situação complicada. Por um lado, a pressão omnipresente do inglês; por outro, o desvirtuar da linguagem, ou pela redução do vocabulário de uso ou pela introdução irregular de termos alienígenas no falar quotidiano.
Enquanto isso, é de louvar o esforço das várias comunidades luso-falantes para se manterem fiéis à sua matriz linguística.Por isso, na Galiza, em Timor, na Guiné, nas comunidades portuguesas de França e América..., para todos eles vai o meu gesto solidário:
Que se fale, se cante, se ame, se viva em PORTUGUÊS!

quinta-feira, abril 14, 2005

O que se impõe a quem é eleito

Assistimos a um pouco de tudo nos últimos dias. A maioria absoluta do PS não é tida por muitos como um dado adquirido. Sendo assim, estão ainda à espera que haja da parte desta nova maioria algo que se pareça com a tibieza das quase-maiorias dos governos de Guterres.
Por todo o lado veremos tentativas mais ou menos claras para testar até que ponto este governo, que emergiu de um acto eleitoral com forte adesão da população, pode ceder. Não falta quem queira reverter os resultados. Na luta de rua: manifestações, greves, chantagens...tudo valerá.
Mas, sempre não esquecendo o bom senso, ao governo impõe-se que seja coerente: cumpra o seu programa. Governe, com firmeza - o que se não confundirá com despotismo.
Aguardemos os próximos passos. Que sejam sinais claros de que não há hesitações e se sabe para onde se caminha.

quarta-feira, abril 13, 2005

Congresso do PSD

Este congresso acabou com um pequeno impasse no partido, porque os outros continuam. Agora sabem qual é a MASCOTE até ao próximo congresso.
in Visão

terça-feira, abril 12, 2005

O Tempo da Flor

Nestes dias em que temperatura sobe, e o Romantismo espreita em cada gesto humano, não fez mal sermos mais líricos, por isso aqui deixo mais um poema de Manuel Guimarães:


Rosa



Toma-a
É tua
colhida assim
Com lágrimas de orvalho

Pega-a
Encosta-a docemente ao rosto.
Atenta, evita esse espinho,
Agora leva-a até junto dos teus lábios
de carmim.

Segura-a terna,
a haste firme,
Roda-a suave nos dedos
E novamente beija-lhe o botão.

Sente-lhe a lisura da pele
Afaga-a
Cheira-a, até que derrame
em ti todo esse perfume
Intenso de rosa silvestre.

sexta-feira, abril 08, 2005

Custos da educação: o necessário e o desperdício

Não digo que não seja tentador o Estado garantir a cada família os manuais gratuitos e novinhos, em cada ano lectivo. Porque a educação é um serviço fundamental a que o Estado se obriga, tal não dispensa cada família de se responsabilizar pela educação dos seus, e isso passa também pelos custos com a educação.
Alguns anos atrás, tentaram convencer-nos de que tudo era gratuito, a responsabilidade dos pais passaria, quase apenas, pela tarefa do nascimento das crianças. Depois havia a creche, o colégio / a escola, o liceu...E quando a roda do tempo já tivesse girado as voltas certas, lá estava o adulto, criado nas instituições do Estado, pronto a tornar-se autónomo...
Puro engano. Cada vez mais sabemos que a utopia se esgotou. Hoje, cada cidadão tem de acordar para a cruel realidade: as coisas têm os seus custos.
Vem isto a propósito da iniciativa da ministra que, diga-se de passagem, apesar de todos os considerandos, vai esbarrar com um facto iniludível: as finanças públicas não são elásticas, e os montantes da colecta de impostos não irá crescer muito mais.
Assim sendo, a quem convém esta iniciativa é sobretudo às editoras que todos os anos terão a facturação assegurada. Enquanto isso, para suportar o desperdício, ao Estado resta a alternativa ou cortar noutros pontos onde é necessário intervir ou limitar o número dos que são subsidiados.
Lembremo-nos, no entanto, que países com uma situação económica mais desafogada (França) não se dão a estes luxos. Os livros são reutilizados.

quarta-feira, abril 06, 2005

Por essa Lusofonia

O texto Os Sete Sapatos Sujos de Mia Couto é uma análise em parábola da stiuação humilhante de África, mas que por analogia se pode aplicar a Portugal. É de facto de uma pertinência cruel o lá se diz sobre as razões das nossas fraquezas.
Agradeço ao blog Tugir o acesso a esse texto. Para o lerem na íntegra, dêem um salto à Macua de Moçambique.
Entretanto, fiquem com este naco de bela prosa:

«Quarto sapato: a ideia que mudar as palavras muda a realidade

Uma vez em Nova Iorque um compatriota nosso fazia uma exposição sobre a situação da nossa economia e, a certo momento, falou de mercado negro. Foi o fim do mundo. Vozes indignadas de protesto se ergueram e o meu pobre amigo teve que interromper sem entender bem o que se estava a passar. No dia seguinte recebíamos uma espécie de pequeno dicionário dos termos politicamente incorrectos. Estavam banidos da língua termos como cego, surdo, gordo, magro, etc…

Nós fomos a reboque destas preocupações de ordem cosmética. Estamos reproduzindo um discurso que privilegia o superficial e que sugere que, mudando a cobertura, o bolo passa a ser comestível. Hoje assistimos, por exemplo, a hesitações sobre se devemos dizer “negro” ou “preto”. Como se o problema estivesse nas palavras, em si mesmas. O curioso é que, enquanto nos entretemos com essa escolha, vamos mantendo designações que são realmente pejorativas como as de mulato e de monhé.

Há toda uma geração que está aprendendo uma língua – a língua dos workshops. É uma língua simples uma espécie de crioulo a meio caminho entre o inglês e o português. Na realidade, não é uma língua mas um vocabulário de pacotilha. Basta saber agitar umas tantas palavras da moda para falarmos como os outros isto é, para não dizermos nada. Recomendo-vos fortemente uns tantos termos como, por exemplo:

- desenvolvimento sustentável
- awarenesses ou accountability
- boa governação
- parcerias sejam elas inteligentes ou não
- comunidades locais


Estes ingredientes devem ser usados de preferência num formato “powerpoint. Outro segredo para fazer boa figura nos workshops é fazer uso de umas tantas siglas. Porque um workshopista de categoria domina esses códigos. Cito aqui uma possível frase de um possível relatório: Os ODMS do PNUD equiparam-se ao NEPAD da UA e ao PARPA do GOM. Para bom entendedor meia sigla basta.

Sou de um tempo em que o que éramos era medido pelo que fazíamos. Hoje o que somos é medido pelo espectáculo que fazemos de nós mesmos, pelo modo como nos colocamos na montra. O CV, o cartão de visitas cheio de requintes e títulos, a bibliografia de publicações que quase ninguém leu, tudo isso parece sugerir uma coisa: a aparência passou a valer mais do que a capacidade para fazermos coisas.

Muitas das instituições que deviam produzir ideias estão hoje produzindo papéis, atafulhando prateleiras de relatórios condenados a serem arquivo morto. Em lugar de soluções encontram-se problemas. Em lugar de acções sugerem-se novos estudos.»
(Mia Couto, in «Oração de Sapiência na abertura do ano lectivo no ISCTEM
OS SETE SAPATOS SUJOS ».

segunda-feira, abril 04, 2005

Relendo Garrett

Lendo hoje Garrett, reconhecemos que poeta é ser mais alto, ver mais além, ir aonde os outros nem sonham. Por isso mesmo é que nas Viagens encontramos tiradas de uma ironia fina (isto nada tem em comum com esses cómicos de usar e deitar fora que estão na moda). Veja-se como ele aborda o problema da selecção dos ministros do Reino:

«Francamente pois... eis aí o que poderão dizer: Addison foi secretário de Estado, e então... Então o quê? Não concebem um secretário de Estado filósofo, um ministro poeta, escritor elegante, cheio de graça e de talento? Não, bem vejo que não: têm a idéia fixa de que um ministro de Estado há de ser por força algum sensaborão, malcriado e petulante. Mas isto é nos países adiantados em que já é indiferente para a coisa pública, em que povo nem príncipe lhes não importa já, em que mão se entregam, a que cabeças se confiam. Em Inglaterra não é assim, nem era assim no tempo de Addison. Fossem lá à rainha Ana(8) que deixasse entrar no seu gabinete quatro calças de coiro sem criação nem instrução, e não mais senão só porque este sabia jogar nos fundos, aquele tinha boas tretas para o canvassing de umas eleições, o outro era figura importante no Freemason’s hall!
Já se vê que em nada disso há a mínima alusão ao feliz sistema que nos rege: estou falando de modéstia e nós vivemos em Portugal.»

Garrett, Viagens na Minha Terra, cap.IV.

Reiniciar serenamente

Regresso ao trabalho.
Para trás fica um semana dura: o sangue nas estradas, os sismos catastróficos na Ásia, a morte do Papa.
Nesta manhã sombria e melancólica, impõe-se-me o retomar das rotinas. O agarrar novamente nas tarefas urgentes, preparar materiais, pensar estratégias, organizar documentos.
Apesar de todos os dramas que à nossa volta se desenrolam, a vida continua no seu ritmo cadenciado. Por isso, é sob olímpica e estóica serenidade que a procuro viver.
Deixo para os outros a angústia de dramatizar situações, para mim basta fazer a minha parte e estar receptivo para o que o tempo nos traz.

domingo, abril 03, 2005

Um olhar sobre Portugal

Agora que os jovens das escolas secundárias se debruçam sobre Eça de Queirós, por imperativo dos programas, fique-se com este naco da deliciosa sátira queirosiana, que se ajusta a Portugal como se uma segunda pele se tratasse:
http://www.vidaslusofonas.pt/eca1.jpg">
...
«Portugal, não tenho princípios, ou não tenho fé nos seus princípios, não pode propriamente ter costumes.
Fomos outr´ora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Comprehendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sahir d´ella. Ficamos exactamente em condições identicas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outr´ora uma multidão pittoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vae buscar alegremente, ao meio dia, cantando o Bemdito; é uma classe inteira que vive d´elle, de chapéo alto e paletot.
Este caldo é o Estado. Toda a nação vive do Estado. Logo desde os primeiros exames do lyceu a mocidade vê n´elle o seu repouso e a garantia do seu futuro. A classe ecclesiastica já não é recrutada pelo impulso de uma crença; é uma multidão desoccupada que quer viver á custa do Estado. A vida militar não é carreira; é uma ociosidade organisada por conta do Estado. Os proprietarios procuram viver á custa do Estado, vindo a ser deputados a 2$500 réis por dia. A própria industria faz-se proteccionar pelo Estado e trabalha sobretudo em vista do Estado. A imprensa até certo ponto vive também do Estado. A sciencia depende do Estado. O Estado é a esperança das famílias pobres e das casas arruinadas. Ora como o Estado, pobre, paga pobremente, e ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a industria ou para o commercio, esta situação perpetua-se de paes a filhos como uma fatalidade.
Resulta uma pobreza geral. Com o seu ordenado ninguém pode accumular, poucos se podem equilibrar. D´ahi o recurso perpetuo para a agiotagem; e a divida, a lettra protestada, como elementos regulares da vida. Por outro lado o commercio soffre d´esta pobreza da burocracia, e fica elle mesmo na alternativa de recorrer tambem ao Estado ou de cahir no proletariado. A agricultura, sem recursos, sem progresso, não sabendo fazer valer a terra, arqueija á beira da pobreza e termina sempre recorrendo ao Estado.
Tudo é pobre: a preoccupação de todos é o pão de cada dia.
Esta pobreza geral produz um aviltamento na dignidade. Todos vivem na dependencia: nunca temos por isso a attitude da nossa consciencia, temos a attitude do nosso interesse.
Serve-se, não quem se respeita, mas quem se vê no poder. Um governador civil dizia: - «É boa! dizem que sou successivamente regenerador, historico, reformista!... Eu nunca quiz ser senão - governador civil!» Este homem tinha razão, porque mudar do sr. Fontes para o sr. Braamcamp não é mudar de partido; - ambos aquelles cavalheiros são monarchicos e constitucionaes e catholicos. A desgraça é que, se em Portugal existissem partidos republicanos, monarchicos, socialistas, aquelle homem, assim como fôra sucessivamente reformista, historico e regenerador, - isto é, as cousas mais eguaes, seria republicano, monarchico e socialista, - isto é, as cousas mais contradictorias.»

...
in Eça de Queiroz, in As Farpas, Junho 1871

sábado, abril 02, 2005

ONDE COLOCAR O ÓLEO DE FRITAR LÁ DE CASA?

Há tempos atrás chegou-me à caixa de correio esta mensagem ( através do colega Vasco Sequeiros)

< Onde colocar o óleo de fritar lá de casa?
Estou a ver que também o deita na sanita da sua casade banho ou talvez, no seu lava loiças, certo? Este é um dos maiores erros que podemos cometer! E porque o fazemos? Porque infelizmente ninguém nos diz como o fazer ...ou não nos informamos. Sendo assim, o melhor que tem a fazer é colocar os óleos utilizados numa daquelas garrafas de plástico (por exemplo, as garrafas de refrigerantes - será que têm resistência suficiente para não serem danificadas até ao local de triagem?), fechá-las e colocá-las no lixo normal (ou seja, o doméstico/orgânico). Todo o lixo orgânico que colocamos nos sacos vai para um local onde são abertos e triados. Assim, as nossas garrafinhas são abertas e vazadas no local adequado, em vez de irem juntamente com os esgotos para uma ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais), e ser necessário dispender milhares de Euros a mais para o seu tratamento.
SABIA QUE UM LITRO DE ÓLEO CONTAMINA CERCA DE 1MILHÃO DE LITROS DE ÁGUA? (o equivalente ao consumo de uma pessoa no período de 14 anos) De nada adianta criticar os responsáveis pela poluição das águas se não fizermos a nossa parte. VAMOSCOLABORAR!>

Realmente, pode estar na nossa mão, com pequenos gestos, impedir a degradação do ambiente e dos recursos de que precisamos todos.

sexta-feira, abril 01, 2005

Não morrerá a esperança

Nesta hora profunda em que se fecham portas e se preparam decisões, qualquer palavra pode ser a mais, pode ser aquela que em instantes lamentaremos. Não é fácil conviver com a morte, mas fazer dela um espectáculo à escala mundial torna-se obsceno. Um pouco de mais discrição, pudor, não ficaria mal a alguns responsáveis do Vaticano. A pobreza e a humildade evangélicas têm estado tão ausentes deste simples acto que é o de encarar a morte.
Mas basta de cânticos fúnebres. Impõe-se-nos a esperança de que haverá amanhãs que brilham, etapas novas no caminho do resgate da humanidade às trevas da sua barbárie.
Que uma nova vida renasça para todos os homens de boa vontade, como o demonstrou ser Karol Woitilia. O seu sucessor retomará o bordão de peregrino e calcorreará os caminhos da terra em busca de pontes que liguem a humanidade, dando um novo fulgor à marcha que a liberterá de todos os jugos (e tantos eles são!!!).