Porto antigo , gravura colhida no GOOGLE.
Há aqui uns anos escrevi um texto que reflecte a admiração que nutro por uma pessoa muito especial – o meu sogro.
Parte 1
«Nascido há oitenta e nove anos, Zé da Lopes é um homem vivido que carrega consigo um rosário cheio de histórias.
Cedo viu o pai regressar do Brasil e falecer vítima das febres tão comuns do princípio do século vinte. E cedo, muito cedo saiu de casa para ajudar a mãe, servindo em lavradores da terra e da freguesia vizinha de Garfe, onde se fez rapazote.
Conta-nos muitas vezes as idas à feira de Guimarães, conduzindo cabeças de gado para venda. Falou-nos da bucha rápida para enganar a fome, das trapaças para enganar os fiscais da câmara e não pagar o bilhete da feira, porque o dinheiro andava escasso…
Contou-nos a sua curta passagem pelo Porto, pelo velho burgo, do início do século. O Porto que ainda acordava ao som do chiar dos carros de bois, que faziam toda a sorte de fretes. Materiais para as obras, transporte de pipas de vinho para os tascos, porque no Porto bebia-se bem! Do despejar das imundícies em barricas para cevar as hortas. O saneamento público era excepção e um luxo.
Contou-nos dos barcos que atracavam à Ribeira, e das descargas braçais dos cargueiros, dos musculosos estivadores que ganhavam muito! – mas que carregavam sacos com mais de seis arrobas. Do patrão, amigo de seu amigo, mas que gastava até ao último tostão no antro do jogo, e que lhe pedia que o encobrisse junto da sua santa patroa. Da fome que não passou, porque o Porto era terra farta.
Da sua fugaz passagem pela tropa, servindo o seu capitão, transportando pedras num braçado para que ele as atirasse contra os soldados, quando não cumprissem as suas ordens. Das caminhadas forçadas pela encosta da Falperra e do cheiro a bacalhau nos tanques da Santa Marta, para os turistas de fatiota.» (continua)
Manuel Sousa, in Ecos de de N.ª S.ª de Porto d'Ave
4 comentários:
Sabes, por vezes gostava de ter uma máquina do tempo e voltar a atrás. Não sei se é a imaginação que me prega partidas, ou se realmente vivi nesses tempos (quem sabe?!), mas a verdade é que ao ler o teu texto, parecia eu que andava numa dessas ruas e feiras...
E recordei o meu avô. Também ele com um rosário de histórias, algumas muito parecidas, que me contava enquanto era vivo.
Beijinho *
Por vezes deixamo-nos enlevar por livros muito bons que nos fascinam e menosprezamos os livros vivos que ao nosso lado nos patenteiam histórias de um inesquecível sabor.
Por isso, ouvir um velho não é perda de tempo é contactar com vivências que colmatam as nossas limitações existenciais.
Concordo plenamente!
Até porque velho é só o corpo...
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