terça-feira, maio 24, 2005

A Estrela





Já deram na torre da igreja as badaladas que anunciam o recolher das gentes. Vergados sobre uma fadiga secular todos deixam os campos e apontam ao lar, cada um no seu passo. O corpo pede descanso e não há como dar-lho.
Os casebres respiram um fumo leve e frugal como a ceia pobre que entretém o ventre.
Todos se recolheram, menos eles. Os pequenitos que cirandaram toda a tarde à volta da eira, brincando com os pezinhos nus sobre os grãos duros do milho, ainda não se cansaram de todo:
- Hoje tenho de a ver! É aquela, Nele. Olha como é linda! E brilha, acolá! Repara bem, naquele canto do céu! - e apontava o dedo esticado nas alturas.
- É uma linda estrela essa! - dizia o Zé.
- Está muito longe?
- Não sei. Disse-me o pai que chega-se lá depressa. Pela estrada de Santiago...
- Mas isso é muito longe, não é?
E deram mais umas corridas em redor da eira, com os braços abertos, como se fossem pássaros.
Então, a mãe chamou-os. E eles mais uma vez perscrutaram o céu a ver se viam a estrela brilhante.
- Lá está ela! Que marota, amanhã agarro-te. Mesmo que tenha de subir até ao alto da nogueira grande.
E os pequenos entraram no casarão que com o luar projectava no chão o rendilhado das telhas.
Depois, entorpecidos do sono, acomodaram-se no leito e o mais pequenino adormeceu, sonhando na estrela que no meio do céu cintilava.
M.Guimarães (2005), Odisseia da Memória.

1 comentário:

Dra. Laura Alho disse...

Tão bonito...

Mas há coisas que não se alcançam. Devemos apenas sonhar com elas.

Beijinhos *