Chegaram todos,
Por trás da mesa apinhada de microfones
O homem sentou-se na cadeira e disse:
- Vou abrir o livro.
Depois fixou o olhar na câmara,
Levou a mão aos óculos,
Compô-los melhor
E começou a olhar para um papel branco
que tremia leve
na mão papuda.
-Vou abrir o livro!
repetiu e voltou a ler em silêncio o imenso
papiro branco
salpicado de sinais
e laivos de saliva.
E do outro lado da mesa,
Faiscante irrompia o cliquar das câmaras,
Dos telemóveis.
E quanto mais a onda mediática
Crescia mais o olhar fundo do homem se perdia
Na imensa brancura da folha
Branca.
Então, desfiou um interminável solilóquio
De caóticas sequências verbais
Que só pareciam coerentes
Porque seguiam a cadeia fónica dum discurso
blablablablablBLABLABLA!blablabah!!
De vez enquanto parava
Na esperança de ter arrancado algum aplauso.
Depois voltava:
- hoje vou abrir o livro.
E repetia um a um os gestos
Numa cadência cíclica.
Por fim,
O discurso fez-se noite
Obscura de razões
perdidas num silogismo qualquer.
E o livro aberto
Não tinha mais do que o acento esdrúxulo
Da catástrofe
Do homem que prometia abrir o livro.
M. Guimarães (2005)
4 comentários:
Caro Manuel....
Quantas vezes já me aconteceu...
Querer abrir o livro... e este apenas me mostrar as alvas páginas, deixando-me com o sentimento esvaziado e a voz retorcida como bola em garganta.
Tudo o que queria dizer... se esfumara naquele momento...
Apenas resta uma plateia, ávida... um leitor... que não lê!
Boa semana
Abraço
Livro. Um grande amigo do homem.
Beijos *
Pedindo desculpa pela ausência destes dias, estive a ler o que tinha em falta. Com mais tempo comentarei melhor.
Deixo um abraço e continuação de boa semana ;)
A indiferença ou a ignorância, perante o interlocutor?
Gostei de te ler.
Um abraço e resto de boa semana ;)
(P.S - Desculpa a ausência)
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