De cara vermelha e enfiado na sua longa batina negra o Padre Sousa reuniu cinco rapazes e levou-nos para a sala anexa ao salão de estudo.
Colocou-os encostados à parede dum pálido amarelo. Depois, puxou dum relógio de bolso com as correntes, dum tom de prata, e fê-lo balancear diante dos olhos de um dos moços.
Os outros, em silêncio, com os olhos grandes de espanto e expectantes acompanhavam o pendular compassado do relógio.
Então, com o olhar fixo e penetrante, o padre olhou no fundo dos olhos do pequeno. E disse autoritário e solene:
- Quando contar até três, vais dormir profundamente!
-Um, dois, três!... Dorme! – disse com autoridade.
E o Jorge adormeceu, de pé.
O padre colocou-lhe a mão na nuca, amparou-o e foi-lhe dizendo baixinho:
- Deixa-te cair, estás em casa, aqui é a tua cama…
- E o Jorge foi-se deixando tomar duma imensa sonolência e começou a cair, como se perdesse a consciência e se deixasse adormecer profundamente. Ficou estendido no soalho de pinho, com a respiração pausada de quem dorme um sono profundo.
O padre continuava a questioná-lo se estava confortável. E ele dava um aceno leve. E começava a roncar. O prodigioso clérigo, então, fervia de sucesso.
- Vêem, como ele dorme?! – dizia. - E basta dar dois estalinhos com os dedos e logo acorda! – o seu rosto avermelhava de vaidade.
No pensamento de Nel, no entanto, persistia uma dúvida. Se o padre tivesse de sair e o Jorge não voltasse a acordar? Apoquentava-o o medo de o padre os mandar dizer alguma coisa que não se pudesse saber, debaixo do torpor da hipnose…Ou pior, se ele se esquecesse dos gestos e das palavras mágicas e um deles ficasse para sempre no reino do sono.
Mas nada disso aconteceu. O padre Sousa, deu os estalidos com os dedos e o Jorge acordou, esfregou os olhos e disse apatetado:
- Que foi? onde estou?
Dias depois, porém, a sessão foi diferente. Desta feita a vítima foi o Freitas.
- Acorda! - disse o padre, depois de dar dois estalidos com os dedos. Mas o Freitas não acordava e continuava num roncar perfeito, mesmo de pé.
O Padre tentou mais uma e outra vez. Mas ele continuava naquele sono estranho, como as aves no poleiro. Então o padre, aflito, afastou-se e puxou dum livrinho e releu as fórmulas mágicas. E voltou para junto do estudante, mas agora em vez dos estalidos, foi mesmo um par de estalos que cantaram pelo longo corredor. No salão de estudo todos ouviram o grito do Freitas, que saiu a correr, desaustinado, da sala de arrumos que servia de laboratório ao aprendiz de hipnotizador.
E em todo esse dia na cara bolachinha do Freitas se notaram as marcas dos dedos do severo hipnotizador. A simulação do sono saiu pesada ao Freitas, mas o padre não apanhou mais nenhuma vítima para as suas sessões.
Os rapazes, daí em diante, esgueiravam-se da sua presença e só o toleravam a uma prudente distância, não fosse o seu instinto hipnotizador vir escolher outra vítima.
Manuel Guimarães, Odisseia da Memória(2005)
5 comentários:
Amigo, Manoel Carlos, obrigado pela visita e adorei o poema que me trouxeste.
Passei, em jeito de visita de médico, para desejar um Feliz Natal :) *
Olá Manel boas memórias as tuas, mas desta vez venho te deixar os votos de um bom natal cheio de alegria e felicidades. beijinhos amigo
Caro Manuel, perdão pela ausência...
Trago apenas um desejo simples para ti... neste momento festivo.
Que a criança que em ti habita, se revele diáriamente, e alimente o teu espirito...
Pois onde existe ainda uma criança, não morre a esperança... de um mundo melhor.
Santo Natal.
Abraço
Meu caro Manuel, já tinha saudades de te ouvir, as tuas memórias, são as nossas memórias, fazes-nos sentir na nossa infância onde tudo era, como tu dizes, tão simples. Continua, Manuel, leva-nos a viajar.
Aproveito agora para te desejar um feliz Natal, com muita paz e tranquilidade. Beijo
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