terça-feira, maio 30, 2006

Como nos consumi(s)mos


(...)
Ó fazendas nas montras! Ó manequins!
Ó últimos figurinos! Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções! (...)
Álvaro de Campos , Ode Triunfal


Uma tarde com a loira Vanessa, num Centro Comercial:

«São cinco da tarde.
Já levo nas pernas uma boa dezena de quilómetros, percorri todas as galerias do NorteShoping e não há meio de encontrar aquele adereço!... Como me havia de ficar bem!
Aquela minha saia, com aquele tope, sem o adereço, é como andar nua! Amanhã na festa do Jó sem aquelas benditas plumas serei invisível!
Ná! Não desisto!
Bom, vou descer outra vez ao piso de baixo.
Olha a Becas e a Rute a olharem para os meus sacos!...Deixa-me fazer uma pose triunfal! Estão todas roidinhas de inveja!
Pudera! Elas nem sonham quanto é que já despachei nestas lojas!
O pior é que foi tudo com o cartão de crédito – está quase no vermelho!
Que raiva! Mas por que é que o cartão tem limite de crédito?
E não visitei a lojinha da Lu – que chatice!
Oh, aquela maldita praga outra vez – «E o fim de mês está aí outra vez!». – Já não posso ouvir aquela música marada!
E fiquei de pagar a prestação do carro!... Já sei que logo lá terei de despachar o chato do Borges que me vai avisar que tenho apenas mais oito dias para liquidar, caso contrário…
Olha! Que espectáculo! Já me viste aquele preço duma semana nas Caraíbas? E até fazem créditos!
E se entrasse? Boa, até conheço a funcionária! É a Gi, andou comigo no Garcia. Vou falar com ela. Entro e vou directa à funcionária:
- Tu não és a Gi?
- Sou, estou a reconhecer-te!... És a Váni! Há que tempos, mulher! Que fazes?
- Acabei Recursos Humanos e estou a fazer uma formação, paga, claro! Uma ninharia, mas já dá para o imediato e para arranjar as unhas…
- Olha, estive a ver a promoção de viagens na montra. Aquela das Caraíbas é interessante…
- Temos vendido bem!
- E o crédito?
- Fácil, assinas um contrato e dás dez por cento para a entrada.
- Vou pensar nisso. Talvez os meus pais me emprestem a massa para a entrada. Vou levar o folheto.
- Gi, vou andando. Depois passo por cá.
- Vai dando notícias.
Coitada, aqui nesta lojita. Eu logo vi que ela não arranjava nada de jeito!...Tenho de aproveitar esta promoção!
Onde é que a Gabi foi buscar aquele perfume? Por que é eu não posso também comprá-lo?
Vou passar pela Lâncome, pode ser que convença a gerente da loja a deixar-me levá-lo e pagar no próximo mês. Pois neste, temos falado!... Se não fossem os aniversários da Locas, do Di e da Tecas, mesmo que lhes tenha dado umas parvoíces…
- Cá está a loja! Entro e vou directa ao assunto.
Acho que me vou fazer íntima. Dou-lhe dois beijos e:
- Então, Fernanda, como vai?
- Olá Váni. Então por cá?
- Precisava duma cena... Ainda tens aquele perfume?!… o lançado na campanha do Natal?
- Vou buscá-lo. Mas depois, temos de conversar...
Entendi o que a tipa queria dizer, mas faço-me de sonsa. Ainda não lhe paguei os cremes que levei há dois meses.
- Olha, deixa lá. Estou apertadinha com o tempo. Depois passo por cá.
E saio, mas ainda ouvi a gerente a cochichar qualquer coisa. Que tenha calminha! Eu sei o que ela queria!».

E prosseguiu a nossa Vanessa a poisar de loja em loja, levada pela vertigem do comprar. É importante para a sua imagem de bonequinha oca e fútil passear-se de sacos de design arrojado pelas galerias das grandes superfícies, as novas catedrais da nova religião – o CONSUMO.
(Texto publicado no jornal Preto no Branco).

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