domingo, agosto 21, 2005

Dissolvência

Era um mundo compacto
Cheio
O verde revestia o castanho do húmus
As ervas lanceoladas apontavam o ar limpo
Flores lilases
Brancas, amarelas, azuis
Ponteavam o verde.
O musgo aveludado adoçava a aspereza dos granitos.
Hercúleas as formigas arrastavam
Toneladas de sementes
Por córregos intermináveis.

O azul do céu e uma luz limpa e exacta
Iluminava
Nos tons perfeitos as cores da vida
Cortada apenas pelo som estridente
Dum pássaro em voo rasgado.


Mas eis que um turbilhão de chamas
Avança numa surdina medonha
Galopando veredas fora.
Cerca as árvores, envolve-as, devora-as insaciável
E deixa-as como espectros sombrios e tristes.

Por fim,
Fica o cheiro abafado do fumo
As cores mortais
Da paisagem toldada de névoa
Sufocante.
E dentro de mim a dor de sentir
O corpo da terra destroçado
Num mar de chamas.

Manuel Guimarães (2005)

6 comentários:

Maria Manuel disse...

É uma mágoa que nem todos sabemos desabafar liricamente!
Belas palavras, triste realidade.

Anónimo disse...

Manuel,

A minha eterna gratidão pelo magnífico poema, consegue traduzir liricamente aquilo que penso. Mas a sua importância remete-se ao reconhecimento de uma mensagem indispensável a todos aqueles que por aqui passam, todos temos o dever e sobretudo o direito de proteger o nosso património natural, afinal protecção civil somos nós e assim sendo, temos de estar sempre informados e formados, para agirmos de forma útil e responsável na comunidade. Por tudo, bem haja.

Anónimo disse...

Um magnifico poema à floresta para um magnifico momento de dor. Talvez só com poesia é que os homens de paz conseguirão traduzir, a partir de agora, a agonia de ver o planeta a arder e a terra queimada. Um abraço.

Dra. Laura Alho disse...

O negro-cinza recorta as paisagens verdejantes que ainda restam. Já não se ouvem os chilreios dos pássaros. Ao longe, ouvem-se as lamúrias de quem perdeu tudo o que conquistou numa vida.

Tanto trabalho e sacrifício para num par de horas ver tudo destruído. Parece-me um pesadelo.
Angustia-me saber que não se faz nada.

Um beijo.*

P.S. O poema está lindo (sobretudo a primeira parte).

Vênus disse...

"E dentro de mim a dor de sentir
O corpo da terra destroçado
Num mar de chamas"

A triste realidade descrita em tão belas palavras...
Um beijo!

Anónimo disse...

"E dentro de mim a dor de sentir o corpo da terra destroçado num mar de chamas!" Bela e dolorosa definição dessa dor que não se consegue combater quando "valores mais altos se alevantam". Beijo. Roby