quarta-feira, novembro 30, 2005

Porque hoje é dia da Restauração




Vou confidenciar-vos. Como gostava de ter estado entre os conjurados, e trazê-los para os dias de hoje. Não era para acicatar os instintos gregários e nacionalistas, porque para esse peditório já muita gente contribuiu.
Gostava era de tomar de assalto qualquer varanda deste reino de opereta e, cheio de coragem, «defenestrar» alguns Miguéis Vasconcelos que por aí haja.
Começaria por um conjunto de iluminados da nossa Economia, aqueles que com os seus «pertinazes» comentários conduziram este reino à pasmaceira em que se encontra; uns quantos com muitas responsabilidades governativas; outros mais com ideias luminosas que só deram em barraca. Mais uns quantos tecnocratas que em 30 anos de actividade criaram um «monstro» voraz, uma máquina do Estado estúpida, ineficaz e gastadora.
Não deixaria a rir-se da miséria aqueles que se serviram do voto popular para chamarem a isto a sua coutada, que distribuíram pelos «clientes» os favores, os tachos...
E tantos Vasconcelos por aí, na Indústria, na Banca, no Comércio, no sector da energia. Todos esses que entregaram de bandeja o que restava da nossa autonomia económica aqui aos vizinhos do lado. Esses defenestrá-los não chegava, era preciso pôr-lhes um carimbo na testa - «VENDIDO».
E para não me acusarem da prática da eutanásia política, deixarei por conta dos eleitores esse golpe final, lá para Janeiro. Porque há actores que se esqueceram que o seu papel chegou ao fim.

Há 70 anos


Desço por dentro de mim e a pouco e pouco perfilam-se sombras esbatidas. Sombras de outros eus que não eu, visto-as de carne, de emoções plurais e ponho-lhes máscaras em forma de poema.
Depois, com uma energia dividida, agarro-me a uma vida fátua e quimérica, que se queima numa dor indefinida de estar existindo.
Depois convoco todos os eus. Trago-te Caeiro e espalho-te o olhar nos verdes arvoredos e no azul límpido do céu, enquanto a amargura do pensar te ensombra esse rosto quase alegre.
Acompanho-te, Reis, até junto do rio. E meditas aí no correr irrepetível dos dias e na linha inexorável do Fado, enquanto refreias o desejo e a ambição de viver.
A ti Álvaro, perdoou-te a tentação do ópio e condescendo na tua agressiva petulância futurista, porque sei que no fundo de ti vives o drama de não viveres plenamente, seres apenas o esboço dum projecto, que se esgota numa velha angústia.
E sinto, ainda, o fervor e o sangue dos heróis que fizeram uma pátria universal e lusa, sob o signo duma Mensagem oráculo que se há-de cumprir.
Olho para trás e da revolta inventiva e provocatória da juventude, derramada nas páginas do Orpheu, já nada resta, apenas traços gráficos que são o rasto que deixei nesta ilusão de existir.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Da nossa necessidade de símbolos


O tema em destaque na actualidade pequena da nossa praça política é que o nosso governo também descobriu o «seu véu islámico». Isto leva-nos à antiga discussão da necessidade de símbolos. Mas como sei que há quem queira esgrimir nesta guerra e não eu, lembrei-me deste poema do nosso Álvaro de Campos:

Psiquetipia (Ou Psicitipia)

Símbolos. Tudo símbolos
Se calhar, tudo é símbolos...
Serás tu um símbolo também?
Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancas
Postas, com boas maneiras inglesas, sobre a toalha da mesa.
Pessoas independentes de ti...
Olho-as: também serão símbolos?
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é...
E por que não há de ser?

Símbolos...
Estou cansado de pensar...
Ergo finalmente os olhos para os teus olhos que me olham.
Sorris, sabendo bem em que eu estava pensando...

Meu Deus! e não sabes...
Eu pensava nos símbolos...
Respondo fielmente à tua conversa por cima da mesa...
"It was very strange, wasn’t it?"
"Awfully strange. And how did it end?"
"Well, it didn't end. It never does, you know."
Sim, you know... Eu sei...
Sim eu sei...
É o mal dos símbolos, you know.
Yes, I know.
Conversa perfeitamente natural... Mas os símbolos?
Não tiro os olhos de tuas mãos... Quem são elas?
Meu Deus! Os símbolos... Os símbolos...
Alvaro de Campos

sexta-feira, novembro 18, 2005

SONATA CON DOLORES

O melhor mesmo é recorrer às palavras deste poeta maior da modernidade.



Cada vez resurrecto
entrando en agonía y alegría,
muriendo de una vez
y no muriendo,
así es, es así y es otra vez así.

El golpe que te dieron
lo repartiste alrededor de tu alma,
lo dejaste caer de ropa en ropa
manchando los vestuarios
con huellas digitales
de los dolores que te destinaron
y que a ti sólo te pertenecían.

Ay, mientras tú caías
en la grieta terrible,
la boca que buscabas
para vivir y compartir tus besos
allí cayó contigo, con tu sombra
en la abertura destinada a ti.

Porque, por qué, por qué te destinaste
corona y compañía en el suplicio,
por qué se atribuyó la flor azul,
la participación de tu quebranto?

Y un día de dolores como espadas
se repartió desde tu propia herida?
Sí, sobrevives. Sí, sobrevivimos
en lo imborrable, haciendo
de muchas vidas una cicatriz,
de tanta hoguera una ceniza amarga,
y de tantas campanas
un latido, un sonido bajo el mar.
Pablo Neruda

GREVE

Há omissões que não têm desculpa.
Hoje decorreu mais uma greve de professores.
E sinto-me como Álvaro de Campos depois de se deixar atirar para dentro duma fornalha.
Estou duplamente derrotado. Por ter-me escondido atrás de desculpas imensas para a não fazer, por não ter respeitado o esforço dos colegas de trabalho, que apesar de tudo não desmobilizaram. Por eles sinto-me envergonhado.
Hoje aceitei que estava vencido antes da refrega. Permiti que, em vez de professor com a dignidade da sua missão, me «funcionarizassem», que me gravassem na mente a minha condição de escravo.
Acedi em aceitar a humilhação de ter daqui a alguns anos de me arrastar sem proveito de ninguém pelas salas de aula, quando nem as forças nem a imaginação me deixarem fazer o que é necessário.
Por tudo isto, aqui deixo este sentido pedido de desculpas.

sexta-feira, novembro 11, 2005

A propósito dos acontecimentos em França

Ando há uns dias para me pronunciar sobre os acontecimentos que se têm vivido em França.
Por um lado vejo aquele amontoado de sucata queimada, os sinais de uma orgia de fogo, por outro não deixo de pensar no que está ali. E penso «ali», parece distante...Mas, nas nossas Zonas J de Lisboa e arredores, nos nossos bairros suburbanos do Porto, de Braga, de Guimarães e até de pequenas vilas com seus bairros sociais. Também aqui a iminência de qualquer coisa de violento se esboça, cresce, quase se impõe no seu cruel acontecer.
Depois penso, ainda, onde é que falhamos? Não foi criado um sistema «dito» democrático, integrador, que deminuisse as diferenças, as injustiças?
Agora, sobre os agregados familiares de parcos recursos a ameaça do desemprego, ou o emprego desumanizador deixarão sequelas profundas neste tecido social tão diferenciado, apesar dos esforços da República.
O que me intriga em situações de vandalismo, de agitação social é não saber qual o elo de ligação entre os jovens e suas famílias. Que configuração têm as famílias nas cidades que cresceram à sombra dos novos tempos (dos anos sessenta até hoje)?
A quem prestam contas os rapazes e raparigas quando saem de casa? Ou, simplesmente, já não prestam contas?
Uma dificuldade se me impõe e que julgo de muito difícil ultrapassagem: se as famílias carenciadas e que se habituaram à prestação subsidiária estatal, terão conhecimento de que se esse sistema falir, voltarão ao tempo do «quem tem unhas toca viola»? e de que a solidariedade será a lei da selva?
Reflectirão alguns, pelo menos uns segundos, sobre as consequências de falir um Estado Social?
O Estado Social gerou-se graças ao contributo da filantropia humanitarista, se este falhar teremos de voltar a que ponto?
Não será tempo de, em vez de exigir direitos, começarem todos a pensar igualmente nos deveres?
Se esta é a casa comum de todos os homens, já é bem tempo de se pensarem soluções adequadas que não atenuem o problema, mas que contribuem para a sua solução.

A importância de estar bem informado

A minha amiga, colega e ex-aluna Anabela mandou-me esta preciosidade: um link que permite o acesso a jornais de todo o mundo. É a aldeia global, podem crer!
Se quiserem experimentartentem lá: http://www.newseum.org/todaysfrontpages/flash/ .

terça-feira, novembro 08, 2005

Álvaro de Campos

Ler a poesia de Álvaro de Campos ainda pode ser um acto de higiene mental interessante. Veja-se o poema seguinte e o ridículo em que se colocam todos os presunçosos.


Poema em Linha Recta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos!

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos

terça-feira, novembro 01, 2005

Terramoto de 1755


Assim fala o Público de ontem no Terramoto de 1755:

«Nove minutos que abalaram o mundo

É dia 1 de Todos os Santos e a manhã de sábado, 1 de Novembro de 1755, surgiu límpida e amena, ainda a lembrar um longo Verão sem pinga de chuva. "Os ares da atmosfera estavão mui subtis e puros", registou um lisboeta. "Fazia um tempo sereno e o céu não tinha uma nuvem", descreveu um comerciante inglês. A temperatura ronda os 18 graus. É dia de missas e o povo de Lisboa - muita da nobreza ainda goza o bom tempo fora da cidade - enche as igrejas. D. José passou a noite na Real Casa de Campo de Belém e conta ir aos Jerónimos.» Francisco Neves, Público, segunda-feira, 31 de Outubro de 2005.

O 1.º de Novembro na Galiza



«Na tradiçom galega com toda segurança o Magusto provém do Samhain celta (José Manuel Barbosa).

Para os celtas, o primeiro de Novembro marcava a data do fim do ano, a passagem do verao ao inverno, da época na que a vida se realizava no exterior à época na que a vida se fazia no interior da morada ao pe do lume da lareira. Esse dia era chamado polos gauleses Samónios e polos irlandeses Samain ou Samhain e era umha festa à qual acodiam todas as pessoas dos povoados celebrando-se umha série de rituais relacionados com a justiça, o direito e a política à vez que dum ponto de vista religioso acreditava-se que a porta do Sidh, do além, do lugar onde moravam os mortos, era aberta para que aquelas pessoas que tinham deixado este mundo pudessem comunicar mais outra vez com aquelas outras que ainda nom o tinham deixado.»
in AGAL - Portal Galego da Língua , n.º 36, 2005.