quarta-feira, novembro 30, 2005

Há 70 anos


Desço por dentro de mim e a pouco e pouco perfilam-se sombras esbatidas. Sombras de outros eus que não eu, visto-as de carne, de emoções plurais e ponho-lhes máscaras em forma de poema.
Depois, com uma energia dividida, agarro-me a uma vida fátua e quimérica, que se queima numa dor indefinida de estar existindo.
Depois convoco todos os eus. Trago-te Caeiro e espalho-te o olhar nos verdes arvoredos e no azul límpido do céu, enquanto a amargura do pensar te ensombra esse rosto quase alegre.
Acompanho-te, Reis, até junto do rio. E meditas aí no correr irrepetível dos dias e na linha inexorável do Fado, enquanto refreias o desejo e a ambição de viver.
A ti Álvaro, perdoou-te a tentação do ópio e condescendo na tua agressiva petulância futurista, porque sei que no fundo de ti vives o drama de não viveres plenamente, seres apenas o esboço dum projecto, que se esgota numa velha angústia.
E sinto, ainda, o fervor e o sangue dos heróis que fizeram uma pátria universal e lusa, sob o signo duma Mensagem oráculo que se há-de cumprir.
Olho para trás e da revolta inventiva e provocatória da juventude, derramada nas páginas do Orpheu, já nada resta, apenas traços gráficos que são o rasto que deixei nesta ilusão de existir.

3 comentários:

Unknown disse...

Amigo o teu post tá fantástico, adorei ler.Já cá não vinha faz tempo. Beijinhos para ti

Menina Marota disse...

"A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tinha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E a tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.

(Fernando Pessoa in Cancioneiro)

Espectacular texto a um Poeta que amo muito... e, que viverá para sempre nas suas Palavras e no sentimento da sua Poesia.

Um abraço e bom feriado :)

Anónimo disse...

Quanta actualidade nesta poesia! Precisa-se de mais Fernandos Pessoa para nos acordar deste marasmo sem fim à vista. Beijo Manuel.